domingo, 2 de julho de 2017

CRÓNICAS DO VALE- cap. 5

(Este episódio já foi revisto e corrigido)
 
QUEM É JOSÉ MARAGATO

Fazer a biografia desta personagem, pois que, de facto é uma pessoa notável não só na terra onde reside, Vale do Pito, como na Vila, na sede de concelho e até na capital de distrito, não é tarefa fácil. Não se pode despachar com três palhetadas. Podemos dizer que, sempre adepto de não dar nas vistas, fomos sabendo que tinha longos tentáculos. Muitos herdados e outros de criação própria.

Para tentar entender é pertinente recuar algumas gerações.

O seu avô, paterno, conhecido como Don Paco Maragato, era espanhol de origem e criação. Natural de Astorga, capital da Maragateria burgalesa, tinha orgulho na alcunha de maragato, tanto assim que lhe deu o estatuto de apelido quando se inscreveu em Portugal, quando acompanhou o seu filho Ricardo ao ter que este teve que fugir para cá, exiladando-se. Ricardo, com habilidade e manhas por baixo da mesa, consegui tornar-se num abastado comerciante em grosso, abastecedor de quartéis,  hospitais, e outros organismos onde lhe fosse permitido ser fornecedor de tudo e mais alguma coisa. Ganhou um estatuto que lhe possibilitou, apesar de ter estado na lista dos indesejáveis na esfera militar espanhola (tudo muda nesta vida. O que está em cima passa para baixo, e volta a repetir o baile) mantinha contactosjá em altos postos nos quarteis, e com ajudas conseguiu inscrever o filho Ricardo (futuro pai do José Maragato) na escola militar de Toledo, de onde saiu com o grau de tenente de artilharia. Foi destacado à guarnição fronteiriça de Ciudad Rodrigo.

Estando a fronteira estável, tranquila, Ricardo tinha muito tempo livre, que aproveitou para conhecer e expandir a rede de contactos que o seu pai já tinha a ambos lados da fronteira. Digamos que um dos seus muitos negócios figurava o contrabando. O que implica ter bons conhecimentos, de confiança e em quantos mais centros de poder, melhor. 

Mas a vida ociosa dos quartéis sempre foi propensa para a montagem de golpes militares. E Ricardo entrou numa destas aventuras, com reservas; mas estava na lista dos golpistas. Não tiveram sucesso. E antes de que fosse metido numa prisão militar, não se imaginando engaiolado, desterrou-se voluntariamente em Portugal, radicando-se na Guarda, onde já tinha uma casa alugada para as sua aventuras de saias e negócios. Mal chegou a Guarda tratou de entrar nas boas graças dos governadores civil e militar, com aquele jeito, inato, que os espanhóis têm de fazer amigos instantâneos. O que ele queria, e conseguiu, era o poder ter a nacionalidade portuguêsa, dando assim início à presença do clã maragato no País.

Desde a Guarda, o Ricardo, governava, sem dar nas vistas, uma extensa rede de contrabando, com a qual ao longo da segunda guerra mundial foi intermediário, oculto, da passagem clandestina de volfrâmio. Além deste minério comercializou muitos mais artigos, uns para um lado e outros para o outro. Sempre ilegalmente, mas sempre com apoios informais, mas poderosos, pois que embora a moeda fosse diferente o dinheiro compra amizades e favores, em toda a parte. Só é preciso ter espírito aberto para fintar as leis e descobrir o ponto mais adequado para conseguir o que se pretende. Com isto conseguiu amealhar uma grande fortuna. Que herdou o seu filho José, fruto do casamento civil com uma senhora sem fortuna pessoal, mas bela quanto bastava, de nome Sofia.

José, que desde criança acompanhou o seu pai, Senhor Ricardo Maragato nos seus negócios e inclusive nos seus encontros clandestinos ou reservados, onde era visto como uma criança inocente, sem captarem que tinha os ouvidos e olhos muito atentos ao que ia acontecendo. Uma vez a sós, o pai Ricardo lhe pedia que contasse tudo o que tinha visto e ouvido.

Noutro capítulo da vida refiro que José Maragato iniciou o seu percurso académico na Guarda, onde terminou o liceu e lhe permitiu inscrever-se na Universidade de Coimbra. Instalou-se numa Real-República. Primeiro “estudou” Filosofia e Letras, onde conheceu a Constança, que veio a ser sua futura esposa. Depressa se fartou da filosofia, quando deduziu que aquele caminho não abria portas que rendessem bom dinheiro. Por isso fez a transferência para Economia e Finanças. Não tardou a se enjoar neste tema, tão afastado do que trilhou inicialmente, Daí que mais uma vez desistiu. Não queria ser um lente na faculdade; concorrer a um posto na administração pública ou vir a ser um lacaio de um conselho de administração. Nenhuma destas possibilidades não lhe enchia as medidas. Queria ficar a conhecer, com os pormenores da vida real, aquilo que lhe poderia facilitar o saber herdado do pai, daí que desceu para o nível da Contabilidade Comercial e Fiscal, vulgarmente conhecido como como jogar, procurando ganhar, com os Impostos.

O namoro com Constança permaneceu activo. Foi apresentado aos pais da menina, nomeadamente ao comendador Serafim de Sousa, que ganhou a comenda depois de regressar do Brasil com algumas arcas recheadas, e com elas financiar a construção de um hospital e lar de recolha na sede do concelho. Ali, quase paredes meias mandou erguer um casarão onde colocou o recém desenhado brasão que, a força de dinheiro, conseguiu que acompanhasse o grau de comendador bem-feitor. Teve três filhos legais em Portugal, e deixou uma fila de bastardos no Brasil. Constança era a mais nova da família.

Quando casou com o José Maragato levou com ela, no dote, a bela casa de férias da família do comendador na aldeia de Vale do Pito, que por ser fresca no verão, só visitavam quando fugiam do calor. No inverno sempre foi sumamente gélida. Mesmo a instalação de uma caldeira e uma rede de radiadores para aquecimento central não evitava o andarem agasalhados quase como exploradores árticos.

Zé Maragato, que enviuvou no terceiro parto de Dona Constança, vive practicamente só neste casão “de estilo revivalista português, mas senhorial quanto baste”. Os dois filhos vivos, pois que o terceiro acompanhou a mãe ao nascer já morto, moram na capital e raramente viajam até a mansão paterna. E, imaginando-se senhores do seu nariz, não querem saber de pormenores dos negócios do pai, Zé Maravilhas. Sem respeitar que é destas negociatas que comem e desfrutam.

E chegamos à pessoa em causa. Homem conversador, aparentemente aberto, raramente diz nada de carácter pessoal ou profissional. O que soubemos para preparar esta biografia deu muito trabalho de pesquisa e dialogar com as pessoas que conheceram a sua família.

Popular entre os residentes em Vale do Pito, é a ele que recorrem quando necessitam de um parecer sobre impostos, alguma cunha ou mediação em negócios, em especial na transacção de propriedades, de onde colhe, legalmente, alguns proventos. Consta, sem provas, que manteve em actividade a rede de contrabando transfronteiriça, pelo menos até a eliminação das barreiras alfandegárias. O que pode não impedir, totalmente, o transito clandestino e certos produtos que, prudentemente, não identifico.

Viúvo sem que se decidisse a mudar de estado, não consta que tenha uma vida monacal. Os boatos indicam que mantêm uma ligação, já de longa data, na sede do concelho, com a dona do salão de beleza Lizzi, Isabel no B.I. Não sendo uma menina nova pode-se dizer que está em muito boa forma, bom corpo e notável aparência. Além de sempre mostrar um“fino trato” pois foi educada nos bons costumes e estudo até o séptimo ano do liceu. Não se conhecem, de um e outro, filhos ilegítimos.

José Maragato desloca-se diariamente à sede do concelho, e com certa frequência à capital do distrito. Nas horas que ele entende permanece no seu escritório, na mesma rua do salão de estética. Na fachada mandou colocar uma placa de latão polido com os dizeres José Maragato CONSULTOR (não se sabe de que temas, mas o termo a pouco compromete, menos do que mediador. O homem tem bastante subtileza) Só abre as portas após identificar e aceitar o visitante.


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