PONTOS DE VISTA
No
anterior apontamento foquei um tema pontual, que pode ter induzido a
que alguns leitores (daquela meia dúzia de sacrificados) não se
sentissem motivados. Neste momento, e influenciado por coisas que
encontro passeando pela net insisto em me debruçar sobre
assuntos locais, se bem que, a meu entender, devem ser vistos como
mais gerais do que localizados. Mas isto depende da visão de cada
pessoa.
Antes
de entrar
em matéria quero
deixar um leve alerta acerca de que não podemos ver a actualidade
obcecados com a experiência do passado se isto nos tolhe o
raciocínio e nos desfasa do que hoje prima e do que se ultrapassou.
É evidente que tampouco é favorável enterrar
o passado como
sendo um repositório de inutilidades. É pertinente separar o trigo
do joio, e aprender recordando. A cultura é cumulativo, mas com um
arquivo de accesso fácil.
O
progresso científico e tecnológico sempre substituiu funções e
objectos. Para melhor? Normalmente é o que se pretende. Então como
podemos agir perante actividades que se tornaram obsoletas? Ficam na
memória durante uns tempos até que,por chegarem novos abandonos,
que progressivamente vão enterrando os anteriores nos estratos do
esquecimento. Felizmente há sempre quem tenta manter algumas brasas
acesas.
Como
exemplo poderíamos recordar que só os grupos de escuteiros, e
mesmo assim uma vez por ano, se tanto, é que tentam recuperar a
tecnologia de conseguir acender uma fogueira a partir de golpes numa
pederneira. Ou que alguém tente sobreviver produzindo, manualmente,
talheres de madeira para uso diário. Ou num campo mais tecnológico,
produzir cal em fornos verticais aquecidos com lenha e detritos,
carregados e descarregados manualmente, como eu vi fazer ainda nos
anos '50 e '60 do século passado. Ou saírem a pescar em barcos
impulsados manualmente com remos, ou do vento. Ainda existem
pescadores que procuram a subsistência com este método, mas a
maioria já depende do motor de explosão.
Hoje
vi uma notícia, acompanhada de um incitamento para aderir a uma
espécie de impugnação para tentar anular o desmantelamento total
dos pavilhões da fábrica de cerâmica
SECLA nas Caldas da Rainha.
Dizem, os descontentes, que se deve conservar, nem que seja
parcialmente, e ali instalar uma espécie de museu, que, como
sabemos, seria pouco visitado, a não ser que empurrando grupos com
visitas guiadas, habitualmente alunos de escolas, aos quais aquilo
lhes interessa pouquíssimo, ou nada. As pessoas radicadas nas
Caldas da Rainha, e noutros municípios donde a indústria cerâmica
deu muitos postos de trabalho e negócios rentáveis são
testemunhas directas de como as matérias plásticas por um lado e a
concorrência de produtos vindos do oriente, liquidaram, sem dó nem
piedade, um sector que foi florescente.
E
estas mudanças ou substituições, imparáveis, são recorrentes,
numa sequência cada vez mais rápida. Tentar manter "mortos
vivos" como numa série da TV é uma atitude votada ao
fracasso. Lamentamos ver desaparecer indústrias e hábitos que
acompanhamos com agrado durante décadas. Mas também nos caem os
dentes e morreremos, infalivelmente. É aconselhável focar os
problemas ou situações com pragmatismo e não nos deixar enlevar
pelo sentimentalismo.
A
poucos quilómetros das Caldas tem-se um exemplo de como a abordagem
fantasiosa do passado, da história visível e não da imaginada,
pode afogar uma povoação, deixando-a.literalmente às moscas, mas
cheia de visitantes com reduzido tempo de permanência , e
vergonhosamente cativados com actividades comerciais mono-temáticas
e extensivas. Entretanto foi abandonado ou pouco incentivada a visão
real e o passado daquele burgo. Os museus, que estão em fase de
abandono - muitos dias com as portas fechadas- sem visitantes,
não se adaptaram a sua temática de modo a oferecer o que um
forasteiro, de origem longínqua ou de perto, poderia gostar de
encontrar, nomeadamente poder apreciar, nem que seja preparado
propositadamente, como os cenários de um filme, o que de diferente
foi sendo a vida naquele burgo ao longo dos tempos históricos..
Festivais
temáticos
funcionam durante uns dias por ano, mesmo que os substituam por
outros através de um calendário intensivo. E depois tornam-se
banais, pois são imitados. Mas um grupo de israelitas sei, por
experiência directa, procura saber de como.donde e quando, moravam
os judeus em aquela terra. Encontram referências na NET, mas nada
de concreto lhes é oferecido para justificar a viagem. Quem subir
às muralhas e tiver a sorte de não morrer na aventura, pergunta
pela evolução histórica daquela várzea e de como a lagoa de
Óbidos foi progressivamente assoreando. Também, em qualquer
país que visitarmos, nos é mostrada a evolução da agricultura, o
que deixou de se fazer e o que existe na actualidade.
Circular
entre lojas
de artigos manufacturados,
como num soco marroquino, não dá uma boa imagem a uma povoação
que deveria ter orgulho no seu passado e mostrar, a quem não sabe,
o que ali aconteceu.Inclusive a história geológica do local onde
se instalou a povoação, irmã do Sobral.
Visitar
museus antiquados, por iniciativa pessoal, está fora de moda. Tal
como ficaram as enciclopédias, que morrem de tédio numa estante.
Hoje a evolução tecnológica levou à noção de que tudo aquilo
que nos pode incitar a curiosidade está disponível, sem esforço,
num teclado e num visor, a cores e com as explicações pertinentes.
Portanto é forçoso mostrar aquilo que não se encontra com
facilidade.
Quem
se preocupa por questões sociais, promocionais ou culturais, deve,
em primeiro lugar, situar-se na realidade do momento e, se possível,
tentar antever o futuro mais imediato.
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