terça-feira, 20 de novembro de 2018

MEDITAÇÕES . 42 Evitar miragens


PRAGMATISMO

A minha noção pessoal de pragmatismo é a de procurar, sempre se possível, ver os assuntos pelo seu lado real, seja positivo ou negativo. É evidente que a maioria das pessoas comporta-se, sem ser propositadamente, no sentido de procurar seguir o caminho que mais lhes agrada, sem se preocuparem acerca de se esta solução é factível ou, pelo contrário, penosa para os seus interesses.
Esta meditação surgiu por dois motivos. O primeiro resultou de ter lido umas declarações atribuídas ao ex-Presidente da República, general Ramalho Eanes. Escreveram que ele disse que, a seu entender, a cidadania portuguesa e por extensão a do mundo ocidental, atingiu um estado de apatia tal que não se rebela contra os abusos que, em seu nome, fazem aqueles que elegeram para os representar e comandar. Os qualifica de excessivamente obedientes, ou mais concretamente, como indiferentes como não era habitual entre as populações, fossem livres ou oprimidas.
Meditando sobre esta análise eu discordo de um comportamento canino generalizado por parte dos cidadãos anónimos. Não me parece que as pessoas ajam como fieis cães domésticos. A meu entender o que nos pode definir ajusta-se melhor aos gatos domésticos, que sabemos serem amáveis e dados a carinhos quando lhes apetece, mas são intrinsecamente egoístas, interesseiros e selectivos.

O segundo motivo surgiu, nesta mente desvairada,sem ter uma ligação directa ao que escrevi nas linhas anteriores surgiu-me, nesta mente desvairada. Um assunto que é só mais um daqueles que reiteradamente aparece nas preocupações citadinas, e não só, e que cabe dentro da longa lista de consequências funestas ocasionadas pela insistente vocação em querer viver acima das possibilidades. 
Os governantes, para satisfazer interesses de quem por um lado lhes pode ter facilitado subir ao poleiro e também de  dar alguma atenção aos que os podem derrubar, comprometem-se a investimentos que, ao nível das capacidades do país, são faraónicos, e difíceis de digerir. Além das concessões económicas que não se coadunam com as entradas de capital.
Um dos assuntos importantes, pelo reflexo que tem para o cidadão anónimo, é o desmantelamento da antiga CP e o consequente congelamento do investimento em melhoras nas linhas férreas e, perigosamente no desleixo com  o material de tracção e circulante. Quando, para dar lugar a muitos parasitas políticos se desdobrou a CP numa série de empresas "independentes", afirmando, com falsidade premeditada -ou total ignorância e ineptidão-, que tal decisão lhe daria uma gestão mais moderna e equilibrada, deram a sentença de morte ao transito ferroviário, tanto de pessoas como de mercadorias. A rede em serviço é muito inferior à que encontrou Salazar quando lhe deram o poder.
E, como resultado da pretensão de modernizar as comunicações, com dinheiro oferecido ou a baixo custo, não só se melhorou, um pouco, a rede viária existente como, principalmente, se entrou numa vertigem de construção de auto-estradas. A febre de proporcionar negócio às empresas de construção e a inevitável atracção das grandes urbes para conseguir emprego à mão de obra "excedentária" do campo, geraram um círculo, cada vez maior, de subúrbios urbanos, cujos habitantes entraram no conhecido fluxo e refluxo entre a residência e o trabalho. Noutros países, não ibéricos, esta deslocalização pendular se resolveu com a conjugação de transportes colectivos com ligação à rede ferroviária. Aqui falha-se em todos os capítulos.
Mas o problema da ferrovia é mais grave: As despesas e decisões mal pensadas, ou tomadas para favorecer interesses privados, conduziram à obsolescência do material ferroviário: Falta tracção e faltam carruagens. E desmantelou-se a oficina que fabricava este tipo de material. Dizem que tratarão de alugar o que falta à vizinha RENFE espanhola. Mas eles tampouco tem excedência de material; só trastes velhos!
As linhas suburbanas estão a braços com falta de material e deficiente manutenção. Há longas filas de equipamento parado em linhas mortas, porque não sabem como o reparar. Não encontram peças sobresselentes nem pessoal habilitado! É fatal que um dia, quando menos se espere (nunca se espera) podemos ter um desastre com muitos mortos numa hora-de-ponta. O Presidente da República terá mais uma oportunidade de dar carinhos, beijinhos e fotos a granel. Vão nomear uma comissão de inquérito (mais uma) que depois de muito paleio e anos de espera não dará culpados, porque estes seriam, forçosamente, os governantes que destruíram a ferrovia. E estes são intocáveis na orgânica vigente.
E depois surgem grupos de "líricos", (sem ânimo de ofender) que se manifestam para exigir (sem noção da realidade) a recuperação de traçados inoperantes. Não há dinheiro, nem sequer para alimentar os sangue-sugas, em número sempre crescente, quanto mais em actualizar traçados que foram executados há mais de cem anos. Em algumas linhas, das que pretendiam modernizar a província, inclusive já desapareceram os carris!, vendidos como sucata. Muitas estações e apeadeiros estão desactivados, abandonados, aos ratos e desfazendo-se de podres. Como se pode pensar em renascer a ferrovia sem material, sem dinheiro e sem pessoal capaz de gerir um País?

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