PRAGMATISMO
A
minha noção pessoal de pragmatismo é a de procurar, sempre se
possível, ver os assuntos pelo seu lado real, seja positivo ou
negativo. É evidente que a maioria das pessoas comporta-se, sem ser
propositadamente, no sentido de procurar seguir o caminho que mais
lhes agrada, sem se preocuparem acerca de se esta solução é
factível ou, pelo contrário, penosa para os seus interesses.
Esta
meditação surgiu por dois motivos. O primeiro resultou de ter lido
umas declarações atribuídas ao ex-Presidente da República,
general Ramalho Eanes. Escreveram que ele disse que, a seu entender,
a cidadania portuguesa e por extensão a do mundo ocidental, atingiu
um estado de apatia tal que não se rebela contra os abusos que, em
seu nome, fazem aqueles que elegeram para os representar e comandar.
Os qualifica de excessivamente obedientes, ou mais concretamente,
como indiferentes como não era habitual entre as populações,
fossem livres ou oprimidas.
Meditando
sobre esta análise eu discordo de um comportamento
canino generalizado
por parte dos cidadãos anónimos. Não me parece que as pessoas ajam
como fieis cães domésticos. A meu entender o que nos pode definir
ajusta-se melhor aos gatos domésticos, que sabemos serem amáveis e
dados a carinhos quando lhes apetece, mas são intrinsecamente
egoístas, interesseiros e selectivos.
O
segundo motivo surgiu, nesta mente desvairada,sem ter uma ligação
directa ao que escrevi nas linhas anteriores surgiu-me, nesta mente
desvairada. Um assunto que é só mais um daqueles que reiteradamente
aparece nas preocupações citadinas, e não só, e que cabe dentro
da longa lista de consequências funestas ocasionadas pela insistente
vocação em querer viver
acima das possibilidades.
Os
governantes, para satisfazer interesses de quem por um lado lhes pode
ter facilitado subir ao poleiro e também de dar alguma atenção
aos que os podem derrubar, comprometem-se a investimentos que, ao
nível das capacidades do país, são faraónicos, e difíceis de
digerir. Além das concessões económicas que não se coadunam com
as entradas de capital.
Um
dos assuntos importantes, pelo reflexo que tem para o cidadão
anónimo, é o desmantelamento
da antiga CP
e o consequente congelamento do investimento em melhoras nas linhas
férreas e, perigosamente no desleixo com o material de tracção
e circulante. Quando, para dar lugar a muitos parasitas políticos se
desdobrou a CP numa série de empresas "independentes",
afirmando, com falsidade premeditada -ou total ignorância e
ineptidão-, que tal decisão lhe daria uma gestão mais moderna e
equilibrada, deram a sentença de morte ao transito ferroviário,
tanto de pessoas como de mercadorias. A rede em serviço é muito
inferior à que encontrou Salazar quando lhe deram o poder.
E,
como resultado da pretensão de modernizar as comunicações, com
dinheiro oferecido ou a baixo custo, não só se melhorou, um pouco,
a rede viária existente como, principalmente, se entrou numa
vertigem de construção
de auto-estradas.
A febre de proporcionar negócio às empresas de construção e a
inevitável atracção das grandes urbes para conseguir emprego à
mão de obra "excedentária" do campo, geraram um círculo,
cada vez maior, de subúrbios
urbanos,
cujos habitantes entraram no conhecido fluxo e refluxo entre a
residência e o trabalho. Noutros países, não ibéricos, esta
deslocalização pendular se resolveu com a conjugação de
transportes colectivos com ligação à rede ferroviária. Aqui
falha-se em todos os capítulos.
Mas
o problema da ferrovia é mais grave: As despesas e decisões mal
pensadas, ou tomadas para favorecer interesses privados, conduziram à
obsolescência
do material ferroviário:
Falta tracção e faltam carruagens. E desmantelou-se a oficina que
fabricava este tipo de material. Dizem que tratarão de alugar o que
falta à vizinha RENFE espanhola. Mas eles tampouco tem excedência
de material; só trastes velhos!
As
linhas suburbanas estão a braços com falta de material e deficiente
manutenção. Há longas filas de equipamento parado em linhas
mortas, porque não sabem como o reparar. Não encontram peças
sobresselentes nem pessoal habilitado! É fatal que um dia, quando
menos se espere (nunca se espera) podemos ter um desastre com muitos
mortos numa hora-de-ponta. O Presidente da República terá mais uma
oportunidade de dar carinhos, beijinhos e fotos a granel. Vão nomear
uma comissão de inquérito (mais uma) que depois de muito paleio e
anos de espera não dará culpados, porque estes seriam,
forçosamente, os governantes que destruíram a ferrovia. E estes são
intocáveis na orgânica vigente.
E
depois surgem grupos de "líricos", (sem ânimo de ofender)
que se manifestam para exigir (sem noção da realidade) a
recuperação de traçados inoperantes. Não há dinheiro, nem sequer
para alimentar os sangue-sugas, em número sempre crescente, quanto
mais em actualizar traçados que foram executados há mais de cem
anos. Em algumas linhas, das que pretendiam modernizar a província,
inclusive já desapareceram os carris!, vendidos como sucata. Muitas
estações e apeadeiros estão desactivados, abandonados, aos ratos e
desfazendo-se de podres. Como se pode pensar em renascer a ferrovia
sem material, sem dinheiro e sem pessoal capaz de gerir um País?
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