segunda-feira, 1 de junho de 2020

MEDITAÇÕES – Não será como antes




Mas são pouco prováveis as mudanças

Ao longo deste período de retracção do mercado consumidor, não só devido à reclusão das famílias no seu espaço de habitação mas, sem dúvida, também à merma do numerário disponível, conduziu a novos hábitos e à restrição de despesas supérfluas, que se tinham instalado como sendo indispensáveis, quase que ao nível de fundamentais. E devem ter sido muitas as pessoas que verificaram da falsidade desta tensão consumista.

Dá para pensar se, em tão poucos meses, se compararmos com o tempo que foi necessário para alterações de conduta anteriores, se aceitou como válida a ponderação cuidadosa de como dissipar sem freio era aquilo que, de facto, se desejava retomar como algo fundamental quando as nossas vidas pudessem entrar numa nova era.

Todos assistimos a um progressivo e lamentável declínio do comércio tradicional. Da morte sem renascimento de muitas lojas de porta para a rua das quais nos tínhamos tornado fieis clientes. Lojas onde nos atendiam com demonstrações de afecto, fruto dos anos de relação individual, nem sempre profissional. Já ali tínhamos acompanhado pais e familiares adultos quando estes iam às compras.

Neste pequeno comércio, pessoal mesmo quando existiam alguns, poucos, empregados já veteranos, entrávamos com a quase certeza de poder encontrar o que necessitávamos. E , no caso de não ser possível, já contávamos com que nos dessem uma orientação alternativa, sem se preocuparem do facto de ser um estabelecimento concorrente.

Com o decorrer dos anos, o visual dos percursos urbanos habituais foram-se alterando paulatinamente, e hoje pouco resta daqueles locais onde entrávamos quase como na nossa casa. Além dos taipais, que denotam o fecho impreterível, proliferam novas utilizações, que em geral não nos interessam e que, com frequência, tem uma vida curta.

A força da publicidade e da ostentação já tomou pé, entre nós, a partir dos anos '60, o início de um novo esquema de comércio conjunto, onde se partilham corredores que pretendem semelhar-se a ruas. Assim entraram os primeiros “centros comerciais”, que foram pioneiros antes de avançar, exponencialmente, para o modelo maior. Muitos cidadãos inexperientes no comércio, decidiram tentar a sua sorte em lojas de poucos metros quadrados. A maior parte destes atrevimentos em assuntos onde a inexperiência paga-se cara, fecharam. Além disso as grandes marcas não confiavam para ali se instalarem. Sabiam, por observação de sucessos alheios, que era fundamental ter uma grande área de exposição e atendimento de um novo tipo de clientes. E que era necessário ir cativando e moldando o gosto e as preferências do cliente moderno ou modernizado à força.

Estas e outras razões conduziram a uma degradação e abandono rápido, dos mini-centros comerciais e, possivelmente pela influência da experiência nos USA, e com a experiência já instalada noutros países europeus, se avançou para as grandes superfícies. Nestas estruturas de captação de clientes aplicam-se tácticas e estratégias totalmente diferentes das do comércio tradicional, já quase extinto, salvo uns raros e pequenos resistentes históricos.

O atendimento, apesar das muitas indicações da gerência para o lhe dar um toque pessoal, derrapou para a indiferença, dada a grande rotatividade dos contratados e das baixas remunerações, que se pretendem incrementar através de incentivos dependentes das vendas conseguidas.

Um sintoma diferencial entre o antigo comércio e o actual é o modo como é abordado o cliente, mal entra no estabelecimento, por uma empregada/o que nunca tinha visto na vida, e diz uma frase do seu caderno de conduta: Em que a/o posso ajudar? A nossa reacção pode ser desde o virar para outro lado ou afirmar, simplesmente, quero dar uma vista de olhos, e se for preciso já pedirei ajuda, evitando dizer, cruamente, ponha-se a andar e não me mace.

Ao iniciar este escrito tinha uma miragem de possível regresso, mesmo que muito parcial e restrito, ao comércio das loja de porta aberta para a rua. O meditar com o passado e o presente levou-me a concluir que a imensa maioria dos clientes actuais, dado que os velhos já estão descartados, mortos ou “invisíveis”, cresceram e chegaram a adultos (?) circulando pelas grandes superfícies. São os seus templos para consumo e não será a pandemia que fará recuar a sociedade.

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