O UNICÓRNIO (licorne,
licórnio)
Tenho uma peça, de
entretenimento, que, a partir de um tronco com dois braços, fui
incorporando figuras talhadas em madeira. Umas de minha factura e
outras encontradas nos montes de sucata familiar e até compradas a
preço miserável nalguma feira de velharias.
O que começou sendo um
tronco nú hoje tem incorporados mais do que uma dezena de bonecos,
incluíndo aves quase que realistas ou sem dúvida fantasticas;
répteis agressivos e cães, quase sempre em com a boca aberta e
procurando amedrontar. Estas figuras, de pequeno porte, em geral só
apresentam a cabeça e pescoço, pois “moram” no interior do
tronco, sugerindo que aparecem cá fora movidas pela curiosidade. A
composição passa épocas em estado letárgico, e submetida à
degradação da intempérie, mesmo quando a coloco debaixo de uma
zona coberta.
A questão é que me
incitou a escrever é que, metido, por decisão propria, em trabalhos
de conservação da casa. Desta feita no exterior imediato, com
regularização dos passeios e aplicação de impermeabilizantes, no
intuito de colmatar a entrada de humidade na cave, deparei com outras
tarefas que estavam esperando ser atendidas. Uma delas era a de
recuperar a tal miscelânea de mostros que ainda estavam fixos no
referido tronco, e que todos eles careciam de ser restaurados.
Como isto de fazer
trabalhos “manueis” é como o coçar, que mal se começa é
difícil parar, pensei que era a ocasião de talhar mais algumas
figuras. E, se mal pensei, assim levei em frente. Procurei um bocado
de madeira, recuperada de umas podas do ano anterior, e olhando para
o que me podia sugerir, metí mãos à obra para tentar criar, em
miniatura, um pescoço e cabeça de cavalo. Nestas estava quando
recordei que o que tinha entre mãos estava dito e feito para vir a
ser um unicórnio. Só tinha que criar o dito cujo corno,
direito como uma florete, longo e retorcico numa espiral de várias
entradas.
E aqui está a
justificação deste escrito. O animal mitológico denominado
unicórno. por ter só um chifre, figura desde muito antigo em
lendas, relatos e pinturas. Considerado na Idade Média como símbolo
da pureza, castidade e força extrema. Sempre foi pintado como sendo
um cavalo branco. À sua insólita portuberância lhe foram
atribuídas propriedades fantásticas, ao estilo das que ainda hoje
são a causa das matanças de rinocerontes e tatus, para depois no
oriente comercializar aos bocados (em pequenas porções e elevado
preço) dando azo a que se continue com as falsas propriedades
medicinais.
Existem muitos pretensos
chifres de unicórnio, sempre vindos dos países nórdicos, e
distribuídos por comerciantes de artigos exóticos, como o ambar,
seja o de cor cinzento -das baleias; ou cor de mel -resina de
coníferas solidificada. São bastantes os templos europeus, que
gardam, zelosamente, dentes de narval, dando-lhes significados
esotéricos, fantasiosos, que se mantêm desde a antiga idade média.
Alguns foram aproveitados para constituírem o fuste de báculos de
bispos ou mesmo Papas.
De onde provinham estes
longos espetos, sempre retorcidos, e que deviam ser transacionados
por quantias importantes? Existiam os tais unicórnios, com
corpo de cavalo e um longo chifre na testa? Admito que
actualmente todos sabem que este chifre era um dente de um cetâceo
com o nome de NARVAL, e que se supõe o utiliza para caçar nas
profundidades do oceno ártico, que é o seu “território”
preferido. Este mergulhar fundo é comum aos outros cetâceos de
grande porte. O curioso é que ao Narval só lhe nasce e cresce,
desmedidamente, um só destes dentes na mandíbula superior. Fica
excêntrico e não no eixo do seu corpo!
Daí que ao transferir
para as lendas, se colocasse o dente, como se fosse um chifre, na
testa de um mamífero, uma variante imaginada do cavalo. A partir daí
criaram-se e escreveram muitos contos e lendas, referindo
habitualmente que este animal era esquivo, difícil de encontrar, mas
dócil, manso e desejoso de fazer favores a quem se tornasse seu
amigo.
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