quarta-feira, 10 de outubro de 2018

MEDITAÇÕES - 24 MITOLOGIA



O UNICÓRNIO (licorne, licórnio)

Tenho uma peça, de entretenimento, que, a partir de um tronco com dois braços, fui incorporando figuras talhadas em madeira. Umas de minha factura e outras encontradas nos montes de sucata familiar e até compradas a preço miserável nalguma feira de velharias.

O que começou sendo um tronco nú hoje tem incorporados mais do que uma dezena de bonecos, incluíndo aves quase que realistas ou sem dúvida fantasticas; répteis agressivos e cães, quase sempre em com a boca aberta e procurando amedrontar. Estas figuras, de pequeno porte, em geral só apresentam a cabeça e pescoço, pois “moram” no interior do tronco, sugerindo que aparecem cá fora movidas pela curiosidade. A composição passa épocas em estado letárgico, e submetida à degradação da intempérie, mesmo quando a coloco debaixo de uma zona coberta.

A questão é que me incitou a escrever é que, metido, por decisão propria, em trabalhos de conservação da casa. Desta feita no exterior imediato, com regularização dos passeios e aplicação de impermeabilizantes, no intuito de colmatar a entrada de humidade na cave, deparei com outras tarefas que estavam esperando ser atendidas. Uma delas era a de recuperar a tal miscelânea de mostros que ainda estavam fixos no referido tronco, e que todos eles careciam de ser restaurados.

Como isto de fazer trabalhos “manueis” é como o coçar, que mal se começa é difícil parar, pensei que era a ocasião de talhar mais algumas figuras. E, se mal pensei, assim levei em frente. Procurei um bocado de madeira, recuperada de umas podas do ano anterior, e olhando para o que me podia sugerir, metí mãos à obra para tentar criar, em miniatura, um pescoço e cabeça de cavalo. Nestas estava quando recordei que o que tinha entre mãos estava dito e feito para vir a ser um unicórnio. Só tinha que criar o dito cujo corno, direito como uma florete, longo e retorcico numa espiral de várias entradas.

E aqui está a justificação deste escrito. O animal mitológico denominado unicórno. por ter só um chifre, figura desde muito antigo em lendas, relatos e pinturas. Considerado na Idade Média como símbolo da pureza, castidade e força extrema. Sempre foi pintado como sendo um cavalo branco. À sua insólita portuberância lhe foram atribuídas propriedades fantásticas, ao estilo das que ainda hoje são a causa das matanças de rinocerontes e tatus, para depois no oriente comercializar aos bocados (em pequenas porções e elevado preço) dando azo a que se continue com as falsas propriedades medicinais.

Existem muitos pretensos chifres de unicórnio, sempre vindos dos países nórdicos, e distribuídos por comerciantes de artigos exóticos, como o ambar, seja o de cor cinzento -das baleias; ou cor de mel -resina de coníferas solidificada. São bastantes os templos europeus, que gardam, zelosamente, dentes de narval, dando-lhes significados esotéricos, fantasiosos, que se mantêm desde a antiga idade média. Alguns foram aproveitados para constituírem o fuste de báculos de bispos ou mesmo Papas.

De onde provinham estes longos espetos, sempre retorcidos, e que deviam ser transacionados por quantias importantes? Existiam os tais unicórnios, com corpo de cavalo e um longo chifre na testa? Admito que actualmente todos sabem que este chifre era um dente de um cetâceo com o nome de NARVAL, e que se supõe o utiliza para caçar nas profundidades do oceno ártico, que é o seu “território” preferido. Este mergulhar fundo é comum aos outros cetâceos de grande porte. O curioso é que ao Narval só lhe nasce e cresce, desmedidamente, um só destes dentes na mandíbula superior. Fica excêntrico e não no eixo do seu corpo!

Daí que ao transferir para as lendas, se colocasse o dente, como se fosse um chifre, na testa de um mamífero, uma variante imaginada do cavalo. A partir daí criaram-se e escreveram muitos contos e lendas, referindo habitualmente que este animal era esquivo, difícil de encontrar, mas dócil, manso e desejoso de fazer favores a quem se tornasse seu amigo.

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