domingo, 7 de outubro de 2018

MEDITAÇÕES - 22

MARMELOS

Um fruto da família das maçãs, peros, peras e outros frutos de pevide miúda. O marmeleiro é associado, através das suas varas rijas mas flexíveis, como tendo reconhecidas propriedades recuperadoras, no sentido de que manipulados contra as costas de um faltoso o podem corrigir e assim o reconduzir para o grupo dos bem comportados.

Habituei-me a ver os marmeleiros mais como arbustos, dispares das árvores que insistem em manter um aspecto normal, com um tronco único e ramas onde frutificam flores e dão suporte aos frutos. Pelo contrário, os marmeleiros são quase que arbustos, indómitos, com uma multiplicidade de troncos à volta da estaca central e ramas despenteadas, rebeldes, possivelmente porque o homem, o camponés, não se dispos a domestica-lo. Deve ser por esta razão e porque os seus frutos não são os mais cotizados no mercado, que muitas vezes ficam relegados à berma das propriedades, com as funções de constituir uma sebe natural, não totalmente dissuadora, tanto entre propriedades de donos diferentes como nas lindes de caminhos comunais. Esta colocação oferece ao vizinho ou ao passante a possibilidade de pilhar algum fruto sem sentir que esteja cometendo propriamente um furto.

O fruto em si, o marmelo, merece mais estima do que a que sugere o pouco cuidado que se dedica à árvore arbustiva. E, no entanto, dada a sua forma e o ter uma portuberância pouco usual no extremo oposto ao pedúnculo, além de que quando madura emana um perfume cativante, é associado à imagem da mama feminina e daí que na linguagem picaresca se denominem de marmelos os peitos.

Por outro lado temos que os marmelos assados no forno rivalizam com as maçãs, por terem uma textura e um aroma específicos. A sua polpa, quando cozinhada com a adição de açúcar, nos oferece a estimada marmelada -que novamente fica ligada aos peitos das raparigas como prato forte nos namoros, pela possibilidade de excitar tanto a portadora como o manipulador- Esta iguaria tradicional é denominada em castelhano como carne de membrillo, e em catalão como confitura de codony. Em castelhano os atrevimentos de namoro referem-se como pelar la pava.

Quando garoto, escolar, ainda na terra onde nascí, os lápis eram afiados com umas afiadeiras que, maldosamente, tinham o mau hábito de partir a ponta da mina. Os mais habilidosos aproveitavam as lâminas das maquinetas de barbear paternas para afiar os lápis, arriscando-se a cortas os dedos. Eram os únicos instrumentos de corte á nossa disposição. Aos que lhes dávamos outras utilizações, próprias das crianças que éramos.

Fazendo uma vaquinha entre dois ou três colegas juntavamos os poucos céntimos que tinhamos nos bolsos e, numa loja perto da escola, compravamos um marmelo, comunitário. Com a lâmina cortavam-se lascas, que se distrinuiam entre os “sócios”. Em cru e nem sempre com a maturação completa, estas lascas eram muito ácidas, astringentes, e as mastigar e engolir implicava um esforço a raiar no massoquismo. Tal como o jogo do pião ou das bilas era uma brincadeira de época.

E as memórias sobre marmelos não se ficam por aqui. Em catalão, que tem identica ao português a frase propiciatória para errar do UM TIGRE, DOIS TIGRES, TRÊS TIGRES, existe uma armadilha de pronúncia com marmelos, mas intraduzível. Reza assim LA TIA MARIA COLLIA CODONYS, CODONYS COLLIA LA TIA MARIA, DE GENOLLONS. (*) Tinha que se pronunciar, repetidamente, e muito depressa. Até que a língua se atrapalhasse e em vez de codonys pronunciasse COLLONS.

Uma brincadeira fonética própria da idade em que se inicia a conversa apimentada. Corresponde á habitual pesquisa de palavras “reservadas” quando se maneja um dicionário pela primeira vez. E, em geral, ali não constam, para desconsolo do neófito.

(*) em criança não captava a malandrice de a tia estar ajoelhada enquanto colhia marmelos, que neste caso seriam “tomates”.


Sem comentários:

Enviar um comentário