COSTUMES
ENRAIZADOS
Muitos
costumes que estavam em vigor poucas décadas atrás já caíram no
esquecimento. Foram substituídas por outras, que terão um periodo
de vigência variável, até que, por sua vez, sejam postas de lado.
Não só pela pressão da modernidade e até podemos culpar os novos
sistemas de comunicação e “ilustração”, digamos a NET.De
qualquer forma sempre se considerou que as modas (*) mudam com
bastante rapidez, tal como reza o dicionário, onde refere que
corresponde a uma maneira, essencialmente mutável e passageira de se
comportar e, sobretudo de se vestir. E eu acrescento, de se pentear,
de se comportar, de conviver e também de comer, ou até de se
alimentar.
Precisamente
ao comparar aquilo que era apresentado nos restaurantes “de
primeira linha” e o como se serviam as travessas duas décadas
atrás e na actualidade sentimos como a vaidade e a ânsia de imitar
as iguarias, em geral copiadas ou sugeridasdesde fora, e que merecem
os elogios dos conhecedores (?) estão abastardando a cozinha
nacional, mesmo quando sugerem que a respeitam dando um nome que
induza ao clássico mas que depressa se verifica não passa de um
raminho de salsa para embelezar uma treta que custará bem caro. Por
enquanto ainda restam bastantes locais de restauração onde se podem
apreciar alguns dos pratos mais apetitosos e afamados da cozinha
tradicional portuguesa.
E
nesta já reduzida lista de pratos cozinhados “à antiga” alguns
dos que lutam pelo lugar de destaque são os que incorporam o famoso
bacalhau. Afirma-se que existirem cem maneiras diferentes de o
cozinhar e apresentar na mesa, desde o cozido com todos, ao grelhado
na brasa, em pastéis, assado no forno, com grão e muitas mais
denominações. Quem nos visita e fez os trabalhos de casa já traz
no seu ideário que Portugal é a terra do bacalhau. Certo,
não vamos discutir isso, e confesso que hoje mesmo, para almoçar,
escolhi bacalhau com natas, que não é propriamente uma receita que
fosse popular nos anos '50.
E
aqui recordo uma frase castiça, conhecida por todos e que eu
considero despeitiva: PARA QUEM É BACALHAU BASTA ! Da qual se pode
deduzir que este manjar, de fama “universal”, era visto como um
sinal de que a penúria alimentar do povo podia-se considerar como
habitual, e daí que uma refeição com bacalhau já seria
qualificada de excepcional. Mas este peixe seco, sensaborão, que tem
que ser temperado com diferentes aditivos para o tornar apetitoso,
desde o manter demolhado com leite cru ou mergulhado numa farta
tomatada, entre outras técnicas, continua a ser um dos capítulos
importantes nas importações nacionais. Pelo menos após se ter
tornado não rentável a pesca com anzol, dado o esgotamento dos
pesqueiros pelos arrastões e mais as quotas de reposição impostas.
É
um facto histórico que a pesca deste peixe nos mares frios custou
muitas vidas entre as populações costeiras de Portugal. Que muitas
famílias vestiram luto por filhos, namorados ou maridos, e que nem
sequer foi possível recuperar muitos dos corpos. Só por esta razão,
que não é de pouca importãncia, este manjar ressequido deveria ser
banido, amaldiçoado. E não foi. Porque?
Simplesmente
porque era uma das fontes de proteínas (e
de espinhas) mesmo
quando o cadáver mumificado era de tamanho minorca. E a população
rural, ou de baixos recursos nas cidades, poucas opções tinham no
sector alimentar. No campo ainda havia a possibilidade de criar aves
de capoeira, ou de pelo, que se não eram vendidas no mercado semanal
para conseguir algum dinheiro sonante, podiam constituir um luxo
nalguma refeição considerada importante, que justificasse o
sacrifício de um animal. Restava o porco e a salgadeira, cujas
carnes limpas duravam poucos dias, e o que ficava como alimento
quotidiano eram os untos e o toucinho. Presunto? Também era
reservado para ocasiões especiais, ou comercializado numa
emergência.
Restavam
poucas fontes de proteinas, e não estava na moda ser vegan por
decisão própria. Os pescadores ainda secavam uns sucedâneos do
bacalhau, fossem sardinhas, carapaus, chicharros, moreias, polvos ou
cações, entre outros. Quem se debruçou sobre a alimentação do
povo e a sua influência na saúde e crescimento sabe bem como a
altura medida nos mancebos que iam às sortes foi subindo,
notávelmente, quando melhoraram as possibilidades alimentares da
população em geral. E “em geral” inclusive os mais abastados
alimentavam-se com deficiências, apesar de muitos estarem gordos e
anafados, mas nem por isso muito saudáveis.
(*)
Nos anos '50, no meio rural, que estava pouco imbuído na
linguagem da cidade, os conjuntos locais de músicos eram denominados,
em certas zonas como sendo um JAZZE e as peças que tocavam eram MODAS.
Sem comentários:
Enviar um comentário