sábado, 13 de outubro de 2018

MEDITAÇÕES - 25 BACALHAU



COSTUMES ENRAIZADOS

Muitos costumes que estavam em vigor poucas décadas atrás já caíram no esquecimento. Foram substituídas por outras, que terão um periodo de vigência variável, até que, por sua vez, sejam postas de lado. Não só pela pressão da modernidade e até podemos culpar os novos sistemas de comunicação e “ilustração”, digamos a NET.De qualquer forma sempre se considerou que as modas (*) mudam com bastante rapidez, tal como reza o dicionário, onde refere que corresponde a uma maneira, essencialmente mutável e passageira de se comportar e, sobretudo de se vestir. E eu acrescento, de se pentear, de se comportar, de conviver e também de comer, ou até de se alimentar.

Precisamente ao comparar aquilo que era apresentado nos restaurantes “de primeira linha” e o como se serviam as travessas duas décadas atrás e na actualidade sentimos como a vaidade e a ânsia de imitar as iguarias, em geral copiadas ou sugeridasdesde fora, e que merecem os elogios dos conhecedores (?) estão abastardando a cozinha nacional, mesmo quando sugerem que a respeitam dando um nome que induza ao clássico mas que depressa se verifica não passa de um raminho de salsa para embelezar uma treta que custará bem caro. Por enquanto ainda restam bastantes locais de restauração onde se podem apreciar alguns dos pratos mais apetitosos e afamados da cozinha tradicional portuguesa.

E nesta já reduzida lista de pratos cozinhados “à antiga” alguns dos que lutam pelo lugar de destaque são os que incorporam o famoso bacalhau. Afirma-se que existirem cem maneiras diferentes de o cozinhar e apresentar na mesa, desde o cozido com todos, ao grelhado na brasa, em pastéis, assado no forno, com grão e muitas mais denominações. Quem nos visita e fez os trabalhos de casa já traz no seu ideário que Portugal é a terra do bacalhau. Certo, não vamos discutir isso, e confesso que hoje mesmo, para almoçar, escolhi bacalhau com natas, que não é propriamente uma receita que fosse popular nos anos '50.

E aqui recordo uma frase castiça, conhecida por todos e que eu considero despeitiva: PARA QUEM É BACALHAU BASTA ! Da qual se pode deduzir que este manjar, de fama “universal”, era visto como um sinal de que a penúria alimentar do povo podia-se considerar como habitual, e daí que uma refeição com bacalhau já seria qualificada de excepcional. Mas este peixe seco, sensaborão, que tem que ser temperado com diferentes aditivos para o tornar apetitoso, desde o manter demolhado com leite cru ou mergulhado numa farta tomatada, entre outras técnicas, continua a ser um dos capítulos importantes nas importações nacionais. Pelo menos após se ter tornado não rentável a pesca com anzol, dado o esgotamento dos pesqueiros pelos arrastões e mais as quotas de reposição impostas.

É um facto histórico que a pesca deste peixe nos mares frios custou muitas vidas entre as populações costeiras de Portugal. Que muitas famílias vestiram luto por filhos, namorados ou maridos, e que nem sequer foi possível recuperar muitos dos corpos. Só por esta razão, que não é de pouca importãncia, este manjar ressequido deveria ser banido, amaldiçoado. E não foi. Porque?

Simplesmente porque era uma das fontes de proteínas (e de espinhas) mesmo quando o cadáver mumificado era de tamanho minorca. E a população rural, ou de baixos recursos nas cidades, poucas opções tinham no sector alimentar. No campo ainda havia a possibilidade de criar aves de capoeira, ou de pelo, que se não eram vendidas no mercado semanal para conseguir algum dinheiro sonante, podiam constituir um luxo nalguma refeição considerada importante, que justificasse o sacrifício de um animal. Restava o porco e a salgadeira, cujas carnes limpas duravam poucos dias, e o que ficava como alimento quotidiano eram os untos e o toucinho. Presunto? Também era reservado para ocasiões especiais, ou comercializado numa emergência.

Restavam poucas fontes de proteinas, e não estava na moda ser vegan por decisão própria. Os pescadores ainda secavam uns sucedâneos do bacalhau, fossem sardinhas, carapaus, chicharros, moreias, polvos ou cações, entre outros. Quem se debruçou sobre a alimentação do povo e a sua influência na saúde e crescimento sabe bem como a altura medida nos mancebos que iam às sortes foi subindo, notávelmente, quando melhoraram as possibilidades alimentares da população em geral. E “em geral” inclusive os mais abastados alimentavam-se com deficiências, apesar de muitos estarem gordos e anafados, mas nem por isso muito saudáveis.



(*) Nos anos '50, no meio rural, que estava pouco imbuído na linguagem da cidade, os conjuntos locais de músicos eram denominados, em certas zonas como sendo um JAZZE e as peças que tocavam eram MODAS.

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