DAR
MILHO AOS POMBOS
Por princípio não estou
vocacionado a tratar, neste espaço quase público, temas de
política nacional. Mas esta relutância não se deve aplicar in
eternum, em especial quando os
assuntos atingem a maioria dos cidadãos, em favorecimento de uma
classe dominante. Aliás, os dominantes nem sequer são homogéneos entre si, pois os há que se movem em compartimentos muito
diferentes. Mas o que os une é o facto de, por um lado ou outro,
terem uma influência pesada no comportamento de quem, mais ou menos
legalmente, nos governa. Apetecia dizer “nos orienta”, mas isso é
aceitar uma pressão de nível excessivo.
Nesta
altura, e curiosamente coincidindo com a governação vigente além
Elvas-Caia, temos um governo em teoria de cariz socialista mas que
sendo ambos reféns de outros partidos, que exigem ser compensados
pelo seu apoio, seguem uma navegação à vista que não corresponde
a nenhum ideário sério e reconhecido. Podemos afirmar que
comportam-se mais como governantes conservadores. Os “sócios”
tem a governação agarrada por onde mais dói, e por este facto vemos
que, apesar de ter a economia nacional em muito pior estado do que
aquele que se propagandeia, conseguem algumas benesses para os seus
apoiantes, sem se preocuparem do facto de que estas “victórias”
causam prejuízo a outros grupos que sentem-se preteridos. E que não
deixaremos, todos os que estejam vivos, a pagar com língua de palmo
e estômago colado , quando nos colocarem em frente do paredão,
metafóricamente falando.
A
solução adoptada é clássica e transparente: para dar aquilo que
não se tem é necessário ir pescar em toda a população,
indiscriminadamente. Assim é possível dar milho a uns pombos,
calarem os urros e ameaças por uma temporada, sem garantia de que
não retomem as ameaças em breve, e conseguir uma entrada por
impostos, directos e indirectos, que compense o rombo daquela
cedência.
Até
aqui estivemos comentando os acontecimentos que se identificam com as
exigências de uma parte dos assalariados. Mas os outros grupos,
também dependentes de salário, estão atentos para aplicar as
mesmas pressões. Sintomaticamente esta situação se identifica com
as camadas mais propícias a serem incitadas, ou seja, aquilo que se
denomina como a esquerda do leque social. Os seus representantes,
sempre estão dispostos a negar as suas falsas convicções por umas
moedas, ou mais solenemente por umas prebendas que não merecem nem
fizeram méritos honestos para as justificar.
Estes teoricamente representantes da população trabalhadora, e mais os
simpatizantes honestos, é que merecem se qualificados de
esquerdalha,
termo despectivo. ofensivo, que não se deve aplicar a quem
simplesmente tenha no seu espírito a vocação de ser necessária
uma extrema justiça social.
Mas
não podemos deixar passar o
contraponto, que
justificará o identificar os grupos de pressão ligados ao poder e
ao capital, que são como irmãos siameses, em conluio com as igrejas
de massas. O sempre presente dinheiro, capital se preferirmos,
comanda as decisões e dá, ou não, a sua aprovação às políticas governamentais. São os membros da direitalha
que
decidem o donde e como ir sacar mais dinheiro à população, para
pagar aquele milho que se deu a alguns pombos.
Tanto
em regimes capitalistas, como o nosso actualmente, como nos falidos
socialistas ou comunistas, o esquema funcional é especular. Os
truques são idênticos e sempre se baseiam na “compensação por
serviços prestados”. O facto de que as remunerações anexas aos
lugares de administrador ou equivalente, serem elevadas,
correspondendo a muitos salários médios ou mínimos, não preocupa
a quem distribui as regalias, pois ele também sabe que terá outra
satrapia, possivelmente melhor, quando chegar a sua vez. Já tem o
lugar reservado! Tampouco lhes tira o sono o montante de dinheiro que
é distribuído entre as centenas, ou milhares, dos e que recebem
para nada fazerem. Já fizeram! Se calhar algumas assinaturas.
A
sociedade humana, para a definir de alguma forma, é maioritariamente vergonhosa. Razão tinha Diógenes quando passeava em pleno dia, com
uma candeia acesa na mão, dizendo que procurava alguém honesto e
ainda não o tinha encontrado. Os cínicos, realistas, afirmam,
convictamente, que todos tem um preço. Uns vendem-se por dez réis de
mel coado, e outros exigem mundos e fundos. Tenho pena de não ter
sido eleito para merecer uma boa compensação. Quiçá noutra vida,
se houver reencarnação em humano e não num animal, considerado
mais irracional do que nós.
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