FORMATADOS
É
excessivo atrever-me com a afirmação de que toda a humanidade está
íntimemente, e até involuntáriamente, condicionada por certas
noções empíricas e sem outro fundamento do que a contínua
transmissão intergeneracional. Algumas destas formatações são
relativamente recentes, umas positivas e outras negativas. Uma
valorização que penderá num sentido ou noutrro em função da
formatação mental que o indivíduo sofreu desde criança e que, com
uma dose importante de atavismo, se transmitiu (e continua a ser
transmitida) ao longo de gerações.
Os
medos são a base de muitas
decisões quase que instintivas, pois que uma vez ficou inculcada uma
ideia que conduz a uma rejeição é necessário ter uma forte dose
de cepticismo, de tratar de valorizar o seu critério pessoal se
baseado na observação isenta de preconceitos e pressões sociais
que, sempre, nos envolvem.
Pessoalmente
posso referir aquilo que pude observar directamente e, depois, ligar
através do estudo e da consulta de muitas fontes, desnecessárias e
escolhidas, mas que me ajudaram no propósito de me libertar dos
medos ancestrais.
Quem
me conhece sabe, e confirmou visualmente, que sou bastante
pragmático, dentro do possível numa mente sujeita a inúmeras
influências, e a certa altura, analizando os contos e histórias com
que se educaram as crianças ao longo dos tempos, procurei
identificar os logros e tretas que detrás delas se esconderam, só
com o propósito de criar umas adversões, uns receios, tão
cimentados na mente que mesmo depois de atingir a idade adulta já é
difícil neutralizar.
Os
que se preocupam, e bem, com o excesso de consumo de energia e, nos
mostram, com o recurso de fotografias nocturnas tiradas desde
satélites artificiais, a loucura do excesso de luz artificial que
proliferou no globo terrâqueo. Uma poluição lumínica que
concretamente dificulta a observação astronómica. Tudo isto
deve-se à dificuldade, ou ao não desejo, de refrear o receio que
uma escuridão intensa nos provoca. É possível que muitos de nós
nunca se dedicaram a imaginar como é que as quatro ou cinco gerações
anteriores conseguiram sobrevivar em ambientes nocturnos totalmente
na escuridão, a não ser em noites de lua cheia. As pessoas tentaram
ter alguma luz no seu espaço familiar e até algumas tentativas de
fornecer uma iluminação pública, que sendo débil dava lugar a
sombras tenebrosas, que pouco sossegavam o viandante.
Por
isso não nos deve admirar que a noite escura, assim como grutas ou
outros locais mal iluminados, fossem considerados como locais
propícios a estarem habitados por espíritos nefastos, perversos,
perigosos. Somos um mamífero mal adaptado biológicamente para a
visão nocturna, mas, em compensação, de fácil adesão a relatos e
teorias indutoras de terror.
Como
sabemos da autenticidade da máxima que nos alerta acerca de Quem
conta um conto acrescenta um ponto, entendemos
a forma como foram evoluíndo as mitologias em geral, entre elas as
que estão na base de todos os credos. E de igual modo observamos que
em todas estas criações especulativas e fantasiosas, existe uma
base comum : O MEDO ao desconhecido.
Um medo que é edificado, sempre, sobre factos que não se podem
verificar directamente. E a partir desta base de credulidade
incontestável se foram gerando temores mais ou menos concretos, mas
fáceis de atribuir a seres reais, culpabilizando-os de acções
inaceitáveis.
Uma
das crenças mais difundidas na humanidade actual é a da existência
do diabo, como ente
misterioso, responsável de todos os males, é que se admite existir
sem poder duvidar. E entre os seus imaginados atributos destacam a
cauda e os cornos. Cornos
que, lógicamente, nos causam receio se pensarmos na hipótese de
estar ao alcance de um animal munido destes apéndices para ataque e
defesa, e que nós, como animal desprotegido, nos sentimos
vulneráveis. É automático e universal este medo, e daí se entende
que todos os diabos que nasceram entre os povos do mundo tenham as
suas testas povoadas de armas de ataque.
Até
aí nada de estranho. Aquilo que me admirou foi o verificar que, em
pleno século XXI os adultos, que manipulam tanta tecnologia; que
sabem das aplicações constantes do virtual; que jogam teimosamente
com uma extensa panóplia de seres ameaçadores sem que isso devesse
interferir, negativamente, na sua visão sobre a realidade, depois,
quando enfrentados com uma imagem física que pretende ser um
revulsivo capaz de ultrapassar os atavismos ancestrais, rejeitem
liminarmente o ter por perto um objecto que esteja em contra do que
carrega na sua mente mais irracional.
Poderia
citar situações concretas, mas, para quem me conheça, é
desnecessário.
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