quarta-feira, 22 de agosto de 2018

MEDITAÇÕES – 10 Os diabos



FORMATADOS

É excessivo atrever-me com a afirmação de que toda a humanidade está íntimemente, e até involuntáriamente, condicionada por certas noções empíricas e sem outro fundamento do que a contínua transmissão intergeneracional. Algumas destas formatações são relativamente recentes, umas positivas e outras negativas. Uma valorização que penderá num sentido ou noutrro em função da formatação mental que o indivíduo sofreu desde criança e que, com uma dose importante de atavismo, se transmitiu (e continua a ser transmitida) ao longo de gerações.

Os medos são a base de muitas decisões quase que instintivas, pois que uma vez ficou inculcada uma ideia que conduz a uma rejeição é necessário ter uma forte dose de cepticismo, de tratar de valorizar o seu critério pessoal se baseado na observação isenta de preconceitos e pressões sociais que, sempre, nos envolvem.

Pessoalmente posso referir aquilo que pude observar directamente e, depois, ligar através do estudo e da consulta de muitas fontes, desnecessárias e escolhidas, mas que me ajudaram no propósito de me libertar dos medos ancestrais.

Quem me conhece sabe, e confirmou visualmente, que sou bastante pragmático, dentro do possível numa mente sujeita a inúmeras influências, e a certa altura, analizando os contos e histórias com que se educaram as crianças ao longo dos tempos, procurei identificar os logros e tretas que detrás delas se esconderam, só com o propósito de criar umas adversões, uns receios, tão cimentados na mente que mesmo depois de atingir a idade adulta já é difícil neutralizar.

Os que se preocupam, e bem, com o excesso de consumo de energia e, nos mostram, com o recurso de fotografias nocturnas tiradas desde satélites artificiais, a loucura do excesso de luz artificial que proliferou no globo terrâqueo. Uma poluição lumínica que concretamente dificulta a observação astronómica. Tudo isto deve-se à dificuldade, ou ao não desejo, de refrear o receio que uma escuridão intensa nos provoca. É possível que muitos de nós nunca se dedicaram a imaginar como é que as quatro ou cinco gerações anteriores conseguiram sobrevivar em ambientes nocturnos totalmente na escuridão, a não ser em noites de lua cheia. As pessoas tentaram ter alguma luz no seu espaço familiar e até algumas tentativas de fornecer uma iluminação pública, que sendo débil dava lugar a sombras tenebrosas, que pouco sossegavam o viandante.

Por isso não nos deve admirar que a noite escura, assim como grutas ou outros locais mal iluminados, fossem considerados como locais propícios a estarem habitados por espíritos nefastos, perversos, perigosos. Somos um mamífero mal adaptado biológicamente para a visão nocturna, mas, em compensação, de fácil adesão a relatos e teorias indutoras de terror.
Como sabemos da autenticidade da máxima que nos alerta acerca de Quem conta um conto acrescenta um ponto, entendemos a forma como foram evoluíndo as mitologias em geral, entre elas as que estão na base de todos os credos. E de igual modo observamos que em todas estas criações especulativas e fantasiosas, existe uma base comum : O MEDO ao desconhecido. Um medo que é edificado, sempre, sobre factos que não se podem verificar directamente. E a partir desta base de credulidade incontestável se foram gerando temores mais ou menos concretos, mas fáceis de atribuir a seres reais, culpabilizando-os de acções inaceitáveis.

Uma das crenças mais difundidas na humanidade actual é a da existência do diabo, como ente misterioso, responsável de todos os males, é que se admite existir sem poder duvidar. E entre os seus imaginados atributos destacam a cauda e os cornos. Cornos que, lógicamente, nos causam receio se pensarmos na hipótese de estar ao alcance de um animal munido destes apéndices para ataque e defesa, e que nós, como animal desprotegido, nos sentimos vulneráveis. É automático e universal este medo, e daí se entende que todos os diabos que nasceram entre os povos do mundo tenham as suas testas povoadas de armas de ataque.

Até aí nada de estranho. Aquilo que me admirou foi o verificar que, em pleno século XXI os adultos, que manipulam tanta tecnologia; que sabem das aplicações constantes do virtual; que jogam teimosamente com uma extensa panóplia de seres ameaçadores sem que isso devesse interferir, negativamente, na sua visão sobre a realidade, depois, quando enfrentados com uma imagem física que pretende ser um revulsivo capaz de ultrapassar os atavismos ancestrais, rejeitem liminarmente o ter por perto um objecto que esteja em contra do que carrega na sua mente mais irracional.

Poderia citar situações concretas, mas, para quem me conheça, é desnecessário.

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