AS
CONVICÇÕES MUDAM
Mudar
não tem nada de extraordinário. Se admitirmos que as células que
constituem o nosso corpo sofrem uma substituição, paulatina
certamente, que faz com que, num periodo entre seis e oito anos, tudo
o que constitui a nossa pessoa é novo. Permitam-me que duvide desta
totalidade, sem ter razões sérias para duvidar, mas nem que sejam
as células cerebrais que nos posibilitam ter memórias bastante
afastadas do momento actual.
De
igual modo admito, sem provas que me avalem, que os ossos, enquanto
não sofrem a descalcificação da velhice, possam ter os mesmos
componentes minerais que auferem desde a idade adulta. Mas aceito
que existe uma renovação de tecidos Assim como que a sábia
natureza, tal como se encarrega de manter funcionais os elementos
essenciais, com novas equipas de substituição, também possibilita
o nascimento de tumores que não tinhamos.
Se
de facto assim é tampouco nos deve causar admiração que os nossos
sentimentos, os nossos ódios e querenças, convicções em geral,
que consideravamos estarem fixas “a pedra e cal”, já diferem
bastante do que foram na década anterior. Não será na totalidade,
pois deixariamos de ser o indivíduo que os outros conheceram, mas as
alterações pode que se apreciem sem esforço. Socorrendo-me de uma
frase célebre mutatis mutandis o
classicismo nos avisa da necessidade de mudar ou actualizar para não
perder a identidade.
Uma
das situações, entre muitas, que pode empurrar as pessoas a mudar
de convicções está no casamento, na vida em comum de dois seres
estruturalmente diferentes e competencias fisiológicas muito
diferentes, apesar de complementares. No caso, hoje normal, de a
selecção de conjugue ser livre e dependente do ajustamento de
características individuais dos futuros esposos, a vida em comum vai
evidenciar, mais cedo ou mais tarde, da existência de convicções,
manias, costumes, preceitos e uma longa lista de pequenas diferenças
que, se se deixam crescer em importância, podem empurrar aquele
casal para uma ruptura.
Nem
sempre se chega a esta situação extrema. Mas para isso sabemos que
um deles, ou ambos, tem que ceder nos pontos mais propícios a se
tornarem fonte de conflitos. Quem conhecia com certa profundidade
algum dos dois membros vai notando, com algum espanto, como as
cedências que se fazem, em especial quando são mais numerosas num
deles do que no outro, os descaracteriza. Dizemos que mudou muito,
que está como o dia para a noite, que é um pau mandado, dominado
pela outra parte. Nem sempre esta cedência é notória, de um nível
alarmante, assim como há casais em que é ela que abdica da sua
personalidade e noutros sucede o inverso.
As
mudanças que citei são uma entre outras tantas possíveis, e que
nem sempre se atribuem a factores tão determinados. Um exemplo que
me ocorreu, e que me foi referido por um popular practicamente sem
ilustração, digamos analfabeto, e que verifiquei estar compilado
num volume de refões, diz Não peças a quem
pediu nem sirvas a quem serviu .
Alerta-nos de como mudam certas pesoas quando as voltas da vida os
situam bastante acima da camada de onde vieram. Também se podem
avaliar as mudanças de caracter dos que abjuram de um credo para
outro; ou das que mudaram de partido. Em geral o neófito faz o
possível e impossível para se mostrar mais pertinaz na defesa da
nova filiação do que os veteranos. Isso se refere no ditado Mudam
os ventos, mudam os pensamentos.
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