quinta-feira, 16 de agosto de 2018

MEDITAÇÕES - 7 Quem é culpado ?

PROCURAR UM CULPADO

Quando nos surge pela frente um acontecimento que não admitimos estar influenciado pelas forças da natureza e, pelo contrário, consideramos que naquilo pode existir uma acção ou neglicência humana, a quem podemos atribuir a culpa do que.directa ou indirectamente nos afectou, ou simplesmente que nos emocionou intensamente de modo negativo, o instinto nos leva a procurar um culpado. Os meios de comunicação social, fazendo-se eco deste sentimento primário, colaboram com bastante rapidez apontando o dedo à destra ou à sinistra, ou mesmo frontalmente, ou à retaguarda. Não fica seta alguma na Rosa dos Ventos que não se procure culpar..

É uma situação clássica, que inclusive vem referida no Antigo Testamento, individualizando o pecador propício como o ainda hoje referido bode expiatório. No relato bíblico nem sequer se põe a hipótese de que o bode (era mesmo um bode, ou mais propriamente dois, pois um era sacrificado in loco e o outro ficava refém das culpa alheias) fosse culpado, nem sequer em pensamento dado que sendo um animal irracional não se lhe podiam atribuir acções reprováveis propositadas, ou seja ter cometido actos maldosos premeditadamente. Mesmo assim o bode era sacrificado a Deus para que com ele se lavassem todas as culpas que se aatribuíssem ao povo judeu.

Nestes dias em que vivemos ainda estamos sob o impacto da catástrofe ocorrida num viaducto em Génova. Já começaram a ser apresentadas hipóteses e razões para explicar como e porque aquele viaducto não aguentou a idade nem a deterioração; que não devia ter chegado aquele extremo. A partir de agora, se não começaram já as mal disfarçadas acusações pelo menos já se iniciaram as tácticas dos inquéritos. Podemos admitir que serão tantos os indiciados, além dos que  por enquanto permanecem na sombra, que pode suceder como num famoso Congresso Eucarístico em que foram tantos sacerdores, bispos, cardeais, superiores das ordens e outros que tais desejossos de oficiar uma missa que se verificou não ter suficientes altares nem acólitos disponíveis para o efeito.

Seja qual for o caminho que o inquérito siga é provável que, tal como sucede entre nós, jamais se chegue ao fim do novelo. Ou como se diz coloquialmente A culpa morrerá solteira, mesmo que sem a virgindade suposta. Por trás do pano certamente que existiram conluios, bonus, gratificações, subornos, como prefiram definir. Na Itália, apesar de que na península ibérica existem alunos distinguidos neses campos, a sua experiência dizem que é enorme, e que não há uma obra pública na qual os interesses "ocultos" não tenham comido uma boa parte do bolo. Aqui não deve ser muito diferente.

Mas, para poder resguardar as personagens de primeiro plano, que obviamente não comparecem nem querem pisar o palco, é necessário, sempre, uma vítima, mesmo que conivente e devidamente compensada em metálico, que possam apresentar como sendo o culpado. Veremos quem será o bode expiatório, ou quando ele for referido nos jornais e noticiários da Itália aqui já não seja considerado ter o valor de uma notícia. Mesmo importante, também é fundamental a apresentaçao dum bode expiatório, que represente a solução aceitável para a cidadania crédula, é ainda mais premente que este capítulo do romance seja ventilado com pompa e circunstância. Tal como se procedia ao cumprimento das sentença do Santo Ofício na Praça Pública, e se fosse em frente do Paço Real ainda melhor.

Quando eu trabalhava na fábrica de cimento era com alguma frequência que nos confrontavam com reclamações de acidentes nas obras, nomeadamente desabamentos. Aquilo que para os donos da obra e os empreiteiros seria mais fácil e conveniente era que a culpa fosse do cimento, que não prestava! E ali me deslocava para tentar ver o que, de facto, acontecera. A listagem de barbaridades era longa, apesar de a maioria das obras terem uma tabuleta com o nome do Técnico Responsável, practicamente um eterno ausente. De entre muitas asneiras posso referir a fraca dosagem do betão, o terem amassado com um grande excesso de água (ainda não era extensivo o uso de vibradores para ajudar a  assentar o betão); colocarem as armaduras ao contrário (a zona de tracção em cima e a de compressão em baixo); não respeitarem o tempo de cura do betão depois de colocado em obra, e daí desencofrar e retirar suportes antes o betão estar resistente; colocar ferro de calibre mais baixo do que estava no projecto, etc. 

Tudo se resolvia amigávelmente, sem litígio, mas com a garantia de que teriam mais cuidado. Nós, os da casa, dizíamos sempre que a culpa era do fulano que estava na betoneira. Ou seja, o mais fraco é que passa a ser o bode expiatório.

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