SOBRE O CONTO DA BRANCA DE NEVE
A
história, uma das muitas que os Irmãos recompilaram em pleno século
XVIII, da tradição oral na Alemanha, alegadamente inventada pelos
irmãos Grimm no século XVIII, em pleno renascer do romanticismo
apresentam uma longa sequência de acontecimentos, com o propósito
evidente de “fazer render o peixe”, já que o mais provável é
que fossem contadas aos bocados nos serões familiares. Nesta,
concretamente, e perto do desfecho, aparecem umas novas personagens,
totalmente inesperadas para o leitor que desconheça o argumento.
No
seu périplo acidentado, uma linda princesa, tornou-se o alvo
obsessivo da sua bela, mas extremamente ciumenta, madrasta. Esta,
dama que o seu negro fígado a tornava extremamente perigosa, não
aceitava ter por perto uma princesa que, sendo notoriamente formosa,
era sua rival na classificação social. Não só era rival como sem
dúvida a ultrapassava. Roída pela inveja e desplante encomendou ao
Monteiro-mor que levasse a princesa, conhecida pela sua alva pele
como Branca de Neve, ao mais afastado e denso matagal do reino e ali
a matasse. Todavia o incumbido algoz não teve coragem para cumprir
este encargo. Arriscando o seu futuro, e nomeadamente a sua própria
vida, deixou a menina no mato e lhe indicou a direcção para donde
devia seguir para encontrar pessoas que a acolhessem.
Todos
conhecemos esta história, com mais pormenor ou pelas ramas, e por
ali encontramos um grupo de sete mineiros anões que
aperfilharam a menina, na condição de que trabalhe em casa e trate
das lides da casa, das lavagens de roupa, de as remendar, cozinhar e
lavar pratos e utensílios e todas as tarefas caseiras que eles tanto
detestavam. Em troca não lhe pagariam um ordenado, nem a
inscreveriam na caixa, ou seja, estaria ilegal e por sua conta e
risco nas horas em que os “bondosos” anões se encontrassem na
mina. Ela, a princesa sem trono, já podia estar muito grata por lhe
darem um teto e uma enxerga, e alimentação. Eram uns anões
“porreiros”.
Nesta
altura recordo que o número sete não surge por casualidade. É um
número místico da cabala, que os adeptos ao ocultismo o
interpretam com pretensa seriedade. No fundo, como escrevi noutra
ocasião, o sete é a quarta parte do ciclo lunar e por isso é a
base de todos os calendários. Aparece, o sete, em inúmeras
referências, algumas físicas como é o caso da menorah,
candelabro judaico com sete braços.
E
chegados a este ponto também me parece ter algum interesse
justificar que os mineiros tenham uma estatura reduzida. Julgo que
este pormenor passa desapercebido. A meu entender existe, nesta
inclusão dos ditos mineiros, uma denúncia escondida, ou pelo menos
uma referência a uma situação social que era do mais corrente na
época em que se escreveu a história.
Dado que as possibilidades técnicas
na exploração mineira em galerias, antes da invenção das bombas
movidas a vapor, que deram o tiro de partida para a primeira
revolução industrial, seguiam-se os filões de mineral por
percurso, em geral, muito estreitos. Por vezes a angostura era tanta
que os adultos mal se podiam introduzir para trabalhar. E como a
pobreza geral era intensa, as crianças cedo eram empurradas para
trabalhos penosos. Os anões do conto representam as crianças que
trabalhavam nas minas.
Além
da exploração de menores a necessidade de levar para o exterior
tanto o minério que justificava a exploração como o entulho que
não tendo utilidade era um estorvo, levou a que se engendrassem
carrinhos com pouca altura, com a roda adiantada e quando a
rentabilidade da mina o justificava, colocar um piso de tábuas por
donde se pudessem mover sem ficarem atolados.
Mais:
o homem, que desde cedo procurou modificar, a seu proveito, os
animais que lhe interessavam, conseguiu, através de selecção e
cruzamentos, uma anormal raça de cavalos de pequena estatura. Os
cavalinhos, que são referidos como ponies,
são hoje uma prenda para crianças de poderosos. E também podem
aparecer em feiras, com selas à sua dimensão, soltos ou atrelados a
armações fixas, como um carrossel vivente. São uma das
reminiscências da violência do homem sobre os animais. E não é a
única, infelizmente. O exemplo mais habitual é o das pretendidas
raças de cães de companhia, muitas vezes fruto de cruzamentos que a
biologia rejeita.
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