sábado, 4 de agosto de 2018

MEDITAÇÕES - 2 A Branca de Neve


SOBRE O CONTO DA BRANCA DE NEVE

A história, uma das muitas que os Irmãos recompilaram em pleno século XVIII, da tradição oral na Alemanha, alegadamente inventada pelos irmãos Grimm no século XVIII, em pleno renascer do romanticismo apresentam uma longa sequência de acontecimentos, com o propósito evidente de “fazer render o peixe”, já que o mais provável é que fossem contadas aos bocados nos serões familiares. Nesta, concretamente, e perto do desfecho, aparecem umas novas personagens, totalmente inesperadas para o leitor que desconheça o argumento.

No seu périplo acidentado, uma linda princesa, tornou-se o alvo obsessivo da sua bela, mas extremamente ciumenta, madrasta. Esta, dama que o seu negro fígado a tornava extremamente perigosa, não aceitava ter por perto uma princesa que, sendo notoriamente formosa, era sua rival na classificação social. Não só era rival como sem dúvida a ultrapassava. Roída pela inveja e desplante encomendou ao Monteiro-mor que levasse a princesa, conhecida pela sua alva pele como Branca de Neve, ao mais afastado e denso matagal do reino e ali a matasse. Todavia o incumbido algoz não teve coragem para cumprir este encargo. Arriscando o seu futuro, e nomeadamente a sua própria vida, deixou a menina no mato e lhe indicou a direcção para donde devia seguir para encontrar pessoas que a acolhessem.

Todos conhecemos esta história, com mais pormenor ou pelas ramas, e por ali encontramos um grupo de sete mineiros anões que aperfilharam a menina, na condição de que trabalhe em casa e trate das lides da casa, das lavagens de roupa, de as remendar, cozinhar e lavar pratos e utensílios e todas as tarefas caseiras que eles tanto detestavam. Em troca não lhe pagariam um ordenado, nem a inscreveriam na caixa, ou seja, estaria ilegal e por sua conta e risco nas horas em que os “bondosos” anões se encontrassem na mina. Ela, a princesa sem trono, já podia estar muito grata por lhe darem um teto e uma enxerga, e alimentação. Eram uns anões “porreiros”.

Nesta altura recordo que o número sete não surge por casualidade. É um número místico da cabala, que os adeptos ao ocultismo o interpretam com pretensa seriedade. No fundo, como escrevi noutra ocasião, o sete é a quarta parte do ciclo lunar e por isso é a base de todos os calendários. Aparece, o sete, em inúmeras referências, algumas físicas como é o caso da menorah, candelabro judaico com sete braços.

E chegados a este ponto também me parece ter algum interesse justificar que os mineiros tenham uma estatura reduzida. Julgo que este pormenor passa desapercebido. A meu entender existe, nesta inclusão dos ditos mineiros, uma denúncia escondida, ou pelo menos uma referência a uma situação social que era do mais corrente na época em que se escreveu a história.

Dado que as possibilidades técnicas na exploração mineira em galerias, antes da invenção das bombas movidas a vapor, que deram o tiro de partida para a primeira revolução industrial, seguiam-se os filões de mineral por percurso, em geral, muito estreitos. Por vezes a angostura era tanta que os adultos mal se podiam introduzir para trabalhar. E como a pobreza geral era intensa, as crianças cedo eram empurradas para trabalhos penosos. Os anões do conto representam as crianças que trabalhavam nas minas.

Além da exploração de menores a necessidade de levar para o exterior tanto o minério que justificava a exploração como o entulho que não tendo utilidade era um estorvo, levou a que se engendrassem carrinhos com pouca altura, com a roda adiantada e quando a rentabilidade da mina o justificava, colocar um piso de tábuas por donde se pudessem mover sem ficarem atolados.

Mais: o homem, que desde cedo procurou modificar, a seu proveito, os animais que lhe interessavam, conseguiu, através de selecção e cruzamentos, uma anormal raça de cavalos de pequena estatura. Os cavalinhos, que são referidos como ponies, são hoje uma prenda para crianças de poderosos. E também podem aparecer em feiras, com selas à sua dimensão, soltos ou atrelados a armações fixas, como um carrossel vivente. São uma das reminiscências da violência do homem sobre os animais. E não é a única, infelizmente. O exemplo mais habitual é o das pretendidas raças de cães de companhia, muitas vezes fruto de cruzamentos que a biologia rejeita.

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