Organizado
com recrutas, profissionais ou voluntários?
Antes
de avançar no tema de hoje, por razões que não são de interesse
geral, entendo que é honesto referir que eu, pessoalmente, e por
condições de isenção legal, não “fiz a tropa”. Portanto as
minhas noções não estão baseadas num conhecimento em primeira
mão. São mais o fruto de uma visão histórica e do que me foi possível deduzir do que vi, estudei e ouvi.
Tenho
um conceito, empírico, de que na actualidade os jovens que atingem
a idade em que habitualmente eram chamados a se incorporarem nas
fileiras militares, no que se denominava de recruta, tal obrigação
é vista, por muitos deles, como uma exigência abusiva e sem
sentido. Estamos vivendo um longo período de paz na Europa
Ocidental, anormal se olharmos para a história. Não há memória de
um período sem conflitos armados entre vizinhos que se possa
equiparar. Todavia reconhecemos que perto das fronteiras deste
“pacífica” Europa continuamente deflagrem conflitos armados, e
que em alguns deles inclusive se enviem militares de Portugal.
O
que decidiu foi optar pelo voluntariado, tendo sido abolida a recruta
obrigatória. Mas em compensação (?) abriram-se as portas dos quartéis para as raparigas. Já não exclusivamente para ocupar
postos de não combate mas, pelo contrário, consideradas em
igualdade de condições com os militares masculinos. Algumas
mulheres já atingiram graduações e até postos de comando.
Esta
versão pacifista que desobrigou a permanência, mesmo que temporal,
nas forças armadas é practicamente geral em todos os países do
ocidente europeu. Mas esta bondade decretada não garante nem
descansa os que receiam a possibilidade de se iniciar um grave
conflito armado. Não porque se respire um ar belicista que alerte
sobre este ressurgimento, mas porque os especialistas entendem que as
forças disponíveis actualmente para entrar em campo não se podem
valorizar como suficientes se tiverem que enfrentar um inimigo forte
e bem preparado.
A
solução que se tomou, numa tentativa de equilibrar os efectivos por
comparação com o estimado poder de um opositor, com recurso a
voluntários-mercenários é a mesma que sempre existiu, e que foi
uma das causas do declínio do Império Romano. Recordemos que a
incorporação de tropas recrutadas nas colónias esteve vigente, com
um peso numérico não desprezível, nos dois conflitos mundiais que
ainda perduram na memória colectiva. A estabilidade e boa vida que
os cidadãos romanos tinham na vida civil não os motivava para se
oferecerem para incorporar as famosas legiões imperiais.
Progressivamente foram admitidos, ou contratados, guerreiros que
foram adversários temíveis na véspera e chegou o momento de que
estar legiões, teoricamente sob as insígnias imperiais ou
republicanas, deixaram de obedecer os seus comandantes romanos e
ficaram leais aos seus conterrâneos “bárbaros”.
Recordemos
que a incorporação de tropas recrutadas nas colónias esteve
vigente, com um peso numérico não desprezível, nos dois conflitos
mundiais Facto que por perdurar na memória colectiva, não é
legítimo escamotear
Retomando
a referência do Império Romano, reconhecemos que em todos os
grandes conflitos se incorporaram mercenários, voluntários a soldo,
mais fieis aos seus chefes de origem e às possibilidades de saque,
do que à Roma dos togados. Ou seja, a parcela mental que pode
incitar à luta para defesa dos símbolos da Pátria e, em
consequência, o arriscar a vida para resguardar o que o soldado
considera ser mais importante do que a possibilidade de ser ferido
ou morto, não se pode esperar entre as tropas de voluntários
estrangeiros, ou pior de mercenários. Nestes o travão para não
desertar pode estar nas mãos dos oficiais que os controlam de
pistola em punho, ou pelo medo que os do outro lado lhes imponham.
Os
militares de carreira, que imagino não são muito estimados pela
maioria dos cidadãos, por pertencerem a outra parcela da sociedade e
com regras de comportamento próprias, não devem estar muito
tranquilos com a situação actual neste ocidente europeu. Além de
que não há memória de um tão longo período sem guerras, os
estrategas não podem estar convictos de que esta “pax romana”
possa ser eterna.
Há
três factores, entre outros também importantes, que alertam os
pessimistas: Um deles é o progressivo envelhecimento da população,
com incremento dos não produtivos e a falta de nascimentos para
compensar o deficit. Outro factor a ponderar é que a possibilidade
de recuperar o montante populacional com elementos vindos do exterior
e com características e religiões compatíveis com as dos
autóctones europeus se verifica estar longe de ser geral; com a
agravante de se verificar que a vontade de se integrarem na nossa
sociedade não é evidente, antes pelo contrário. Os autóctones, em
muitas zonas da Europa actual sentem-se em perigo de ser minoritários
na sua terra.
O
terceiro factor tem duas frentes diferentes. Por um lado o “sócio”
poderoso que tinha a Europa na NATO com os EUA está derivando para um
isolacionismo, pelo menos em relação aos problemas actuais e
previsíveis da Europa Ocidental. Para completar o panorama teme-se,
e com razão, a perda da hegemonia da Europa nos campos das
tecnologias, produção de bens e serviços e capital disponível.
Não
parece factível que estas nuvens negras se dissipassem devido a
retomar a recruta obrigatória, nem que o treino de mais indivíduos
já com valor antes de uma incorporação urgente, seja a solução.
Nem sequer se pode avaliar como perto disso. Mas tampouco parece que
confiar a nossa defesa do território e dos seus habitantes a
voluntários, mais ou menos contratados como mercenários, nos possa
dar uma garantia de segurança. Não deve haver Companhia de Seguros
que se atreva a propor uma apólice neste problema.
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