Inês
de Castro voltou triste
De
súbito Inês ficou calada, mesmo sorumbática, e não disse nem mais
uma palavra até chegarem a Alcobaça. Quando já alcançaram a porta
do mosteiro, e sem cavalgar da sua montada, Inês perguntou a Dom
Pedro se não podiam prolongar a jornada, numa decisão não prevista
e fora do normal, e seguir até o Real de Óbidos, que sendo já uma
Vila da Rainha, ficava fora dos territórios dados, e alguns
usurpados, dos frades cistercienses, donos absolutos dos Coutos de
Alcobaça.
Pedro
ficou assombrado, não só porque esta proposta era totalmente fora
do projectado como porque, dada a hora, teriam que viajar de noite.
Ele, pessoalmente, acompanhado por um par de homens de armas, não
tinha problemas e a distância nem sequer era de muitas léguas, mas
não estava afim de sujeitar Inês aos imprevistos que uma noite
cerrada, e em terrenos pouco ou nada frequentados após o sol posto,
pelo menos por pessoas de bem.
- Eu, Inês, não posso exigir nem
mandar nada. Neste assunto privado em que nos metemos eu só tenho
más cartas na mão. Não passo de ser uma concubina, uma amante,
que não respeitei a minha Dona Constança, com a qual casaste em
Évora, mesmo que sem a tua presença, por procuração. Só posso
perder, e tu ficas pronto para outra, pois não me parece que te
queiras inscrever como monge num convento.
Aconteceu que após ouvir aquelas
jovens freiras de Cós fiquei sem vontade de conviver com os frades,
por muito cultos que eles sejam, e falantes em latim, português,
provençal e sei lá mais que, além do francês. Quando entrarmos no
Mosteiro de Santa Maria peço-te que anuncies que cheguei muito
cansada e mesmo indisposta e que desejo recolher-me, de imediato, à
minha estância. Agradeço que dês indicação para me enviarem uma
ceia leve, um caldo e pouco mais. A minha porta estará sem trinco,
como sempre, e se te apetecer podes-me visitar. Mas hoje não estou
para festas. Estou mesmo aborrecida
-
Assim farei. E quando todos se retirarem vou ver se esclareço o
porque estás assim desgostosa.
…... intervalo musical,
com o som de alaúdes como música de fundo; profundo e negro de
ambiente. Podem aproveitar para aliviar a bexiga.
- Truc,
Truk (não é truca-truca!) Incomodo? meu amor, minha luz, minha estrela matutina e
vespertina, ou seja Vénus! Das licença a este teu namorado para
entrar nos teus aposentos?
- Pedro. Não venhas com
salamaleques. Estou aborrecida, mas não contigo, e por isso
recomendo que não esgravates nos meus sentimentos nesta altura. Se
ficares caladinho e sossegado vou tentar explicar as razões do
desconsolo que sinto na alma.
Já sabes que estive um longo
tempo em paleio com as irmãs do convento de Cós. Elas, todas
sem excepção, foram muito gentis e trataram-me muito bem. Não se
lamentaram de nada, pelo menos abertamente, nem se queixaram do
tratamento que lhes era dado, a não ser por parte de alguns
fidalgotes, que entendiam que elas eram pouco menos que prostitutas
às suas ordens e caprichos. Mas, coitadas, admitiam que esta era a
sua sina e por isso a aceitavam quase como um penitência de
pecados que não cometeram. Pelo menos na grande maioria das vezes.
Sempre ocorrem excepções...
O que me entristeceu foi confirmar
o que já conhecia que acontecia nas terras de onde vim a muitas
donzelas que, sem uma vocação pessoal, eram atiradas -e o termo
correcto é esse mesmo- para conventos para professarem e ficarem
presas de por vida sem terem culpa de serem mulheres e terem sido
nascidas neste mundo cruel.
Eu
sabia, sem a mais mínima dúvida, que freiras com vocação de se
sacrificarem para o Divino foram sempre uma reduzida minoria.
Mas o ver a alegria daqueles rostos -frescos uns e não tanto
outros- por se sentiram ouvidas e atendidas sem restrições,
com uma liberdade de expressão que só entre elas, e sempre com
sigilo, podiam ter, foi como se, por um bocado, lhes fosse aberta a
porta da gaiola.
Ou
seja, que apesar de saber como funciona a nossa sociedade, o ter
aquele testemunho, mesmo que cauteloso, durante quase duas horas,
abriu-me uma ferida no pensar, metafóricamente claro... Não posso
admitir, nem tampouco lutar contra, e logo eu..., esta decisão
de enviar as filhas que não tem um “bom pretendente” por perto, a ser reclusas num prostibulo disfarçado. Eu, num caso destes,
matava-me ou me matariam. A saída que a família Pires de Castro,
pseudo fidalga, me deu ao me “inscrever” como Dama da Corte da
Constança, pouco melhor é, sem dúvida, do que o terem-me metido
num convento. Estas freiras, pelo menos, gostem ou não, tem
cobertura frequente e variada.
-
Não quero, nem posso, argumentar com arrazoados que contrariem as
tuas sérias palavras. Só posso concordar, referindo que nestes dos
países, irmãos mas desavindos por serem tão familiares e próximos,
existem demasiadas famílias que se consideram donos da plebe. Ou
seja, acreditam ser fidalgos de sangue, coisa a que teria muito que
objectar. São gente que, para viver, sem grandes luxos, dependem do
trabalho, practicamente escravo, dos seus servos, dos que, como
sabes, são donos absolutos, inclusive da sua vida miserável. Tens
razão, e sabes que, por enquanto sou um simples Infante, sem poder
efectivo algum, e que o Senhor meu Pai, o Rei Afonso IV é que,
sempre dando a mão à Santa Igreja
Católica, é que manda, ou pensa que manda...
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