Mexericos
conventuais
Eu
sempre atento ao bater das horas no relógio da torre, e mesmo que a
distância do Convento de Cós aos aposentos reais que tinha no
Mosteiro de Alcobaça, era como dois tiros de besta mecânica, mesmo
assim fazia o possível para chegar cedo, pelo menos antes do toque
de vésperas.
Já
sobre as montadas, Inês quis contar alguns dos mexericos que as já
suas amigas freiras de Cós lhe foram relatando enquanto lhe serviam
alguns dos seus famosos doces e uma sequência de cálices da
famigerada ginjinha conventual. Eu a tinha deixado com as ditas
freiras enquanto tratava de alguns assuntos o Paço com a madre
superiora e o Padre que estava ao cuidado das almas do convento, E
que sei bem que molhava o seu aspersório tanto quanto podia, mas
sempre vigiado pela madre superiora, que era muito ciumenta.
Pela
voz encaramelada de Inês já dei conta de que as irmãs, seguramente
que seguindo a pés juntos as indicações da receita , repetiram a
quantidade de aguardente recomendada. (*) Ou então serviram-lhe
demasiados cálices, admitindo que vindo ela de terras galegas estava
treinada nas bebidas fortes.
Mas
vamos ao que interessa. Parece que as mais novas sentaram-se à volta
de Inês, gabando-lhe as suas loiras tranças e o seu empinado busto.
As mais veteranas também se encostaram, mas não se decidiram a
participar. De cabeça baixa, e ouvidos bem sintonizados, fingiam-se
absortas nas rezas do rosário. Não do terço, pois ali rezava-se o
rosário completo. Automaticamente, sem prestar atenção às
ladainhas, que não duvido que, todas elas, estavam fartas de as
dizer e ouvir.
Referiam,
as mais atrevidas e com caras de quase virgens, digamos que com
poucas léguas de rodagem, que entre os cavalheiros que as visitavam
os melhores, e de longe ganhavam, os mais educados e sabedores das
artes amatórias, eram os frades do Cister de Alcobaça. Elas os
lembravam como frades do clister e eu (Inês) perguntei a que se
devia este trocadilho. Rindo em coro, disseram que estes cavalheiros,
que falavam um francês aportuguesado, ou um português afrancesado,
como os migras na França, lhes disseram, muito sensatamente, que
engravidarem e trazer anjinhos ao mundo não tinha valor nenhum. Que
nem sequer era coisa que elas deviam consentir.
Mais
acrescentaram:que, com muita boa vontade, depois do prazer que lhes
dávamos, nos facilitariam umas ervas especiais que, tomadas como chá, depois de um dia de falta, quatro ou cinco vezes por dia, sem
necessidade de rezas nem sacrifícios, e isso durante três ou quatro
dias seguidos, era “remédio santo”. E pode crer, Dona Inês,
aquilo dá um resultadão. Mas tem que se começar a tomar antes de
ter a certeza de que a coisa pegou! Para os casos em que o descuido
fosse mais antigo eles sabiam de outras ervas medicinais que depois
de secas e esmagadas, sempre na mistura de quatro ervas diferentes,
seleccionadas pelo frade farmacêutico, fervidas durante duas horas, a
bom ferver, coadas e deixadas arrefecer até estar morna -provar
com um dedo, mas nunca na boca, porque tinham muita fortaleza- e
aplicadas com um aparelho que eles trouxeram, e que lhe chamavam de
clister, que trazia um canudinho de cana com uma tripa de borrego que
ligava o aparelho ao canudinho, e este devia enfiar-se no pipi (eles,
que são sérios mas descarados, lhe chamavam kon, que é quase igual
ao nome entre nos, e que não digo para não pecar) com duas ou
três lavagens daquele caldo, dadas em intervalos de doze horas, era
garantido que o intruso, qual diabo, sairia de onde não devia
estar. Mas tudo isto referido com amor e boas maneiras.
Aqueles
franceses devem trazer muito mundo às costas. Sabem mais do que o
Senhor Bispo, e podemos afirmar que ele é o diabo de saias. Os ditos
frades de Alcobaça sabem tantas histórias picantes e tem tanta
habilidade para as contar, mesmo com aquelas falas atrapalhadas, que
por nossa vontade, mesmo até da Madre Superiora, que algumas vezes
até se mijou pelas pernas abaixo de tanto rir, nunca ficamos
contentes por se irem embora, de regresso a Alcobaça. Se lhe
dizermos que muitas das rezas que fazemos ao longo dos dias as
dedicamos a pedir que voltem quanto antes... Olhe, a irmã Anunciada
diz que gostava muito de ter um anjinho vindo daquele frade loiro. E
quem não? Mas não podemos orientar a vida por aí.
A irmã Rosarinho quis entrar na conversa dizendo que, em comparação
com aqueles fidalgos de merda (desculpe
Dona Inês, mas é que eles são mesmo isso) o frades do
Clister são mais do que nobres, e trazem salsichas das grandes, sem
ser de lata. Eles dizem qualquer coisa como sausison.
E
com esta palestra chegamos às portas do palácio. Ali nos separamos,
mesmo sabendo que até cães, gatos e ratos, sabiam do nosso caso.
(*)
nunca entendi como se podem
fazer bem as coisas com os pés juntos. Só se for saltando à corda.
Até aos animais, de burros a cavalos, para que não saiam
para longe, se lhes atam as patas com umas manilhas.
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