sábado, 14 de dezembro de 2019

MEDITAÇÕES – Coisas de mulheres


Mexericos conventuais

Eu sempre atento ao bater das horas no relógio da torre, e mesmo que a distância do Convento de Cós aos aposentos reais que tinha no Mosteiro de Alcobaça, era como dois tiros de besta mecânica, mesmo assim fazia o possível para chegar cedo, pelo menos antes do toque de vésperas.

Já sobre as montadas, Inês quis contar alguns dos mexericos que as já suas amigas freiras de Cós lhe foram relatando enquanto lhe serviam alguns dos seus famosos doces e uma sequência de cálices da famigerada ginjinha conventual. Eu a tinha deixado com as ditas freiras enquanto tratava de alguns assuntos o Paço com a madre superiora e o Padre que estava ao cuidado das almas do convento, E que sei bem que molhava o seu aspersório tanto quanto podia, mas sempre vigiado pela madre superiora, que era muito ciumenta.

Pela voz encaramelada de Inês já dei conta de que as irmãs, seguramente que seguindo a pés juntos as indicações da receita , repetiram a quantidade de aguardente recomendada. (*) Ou então serviram-lhe demasiados cálices, admitindo que vindo ela de terras galegas estava treinada nas bebidas fortes.
Mas vamos ao que interessa. Parece que as mais novas sentaram-se à volta de Inês, gabando-lhe as suas loiras tranças e o seu empinado busto. As mais veteranas também se encostaram, mas não se decidiram a participar. De cabeça baixa, e ouvidos bem sintonizados, fingiam-se absortas nas rezas do rosário. Não do terço, pois ali rezava-se o rosário completo. Automaticamente, sem prestar atenção às ladainhas, que não duvido que, todas elas, estavam fartas de as dizer e ouvir.

Referiam, as mais atrevidas e com caras de quase virgens, digamos que com poucas léguas de rodagem, que entre os cavalheiros que as visitavam os melhores, e de longe ganhavam, os mais educados e sabedores das artes amatórias, eram os frades do Cister de Alcobaça. Elas os lembravam como frades do clister e eu (Inês) perguntei a que se devia este trocadilho. Rindo em coro, disseram que estes cavalheiros, que falavam um francês aportuguesado, ou um português afrancesado, como os migras na França, lhes disseram, muito sensatamente, que engravidarem e trazer anjinhos ao mundo não tinha valor nenhum. Que nem sequer era coisa que elas deviam consentir.

Mais acrescentaram:que, com muita boa vontade, depois do prazer que lhes dávamos, nos facilitariam umas ervas especiais que, tomadas como chá, depois de um dia de falta, quatro ou cinco vezes por dia, sem necessidade de rezas nem sacrifícios, e isso durante três ou quatro dias seguidos, era “remédio santo”. E pode crer, Dona Inês, aquilo dá um resultadão. Mas tem que se começar a tomar antes de ter a certeza de que a coisa pegou! Para os casos em que o descuido fosse mais antigo eles sabiam de outras ervas medicinais que depois de secas e esmagadas, sempre na mistura de quatro ervas diferentes, seleccionadas pelo frade farmacêutico, fervidas durante duas horas, a bom ferver, coadas e deixadas arrefecer até estar morna -provar com um dedo, mas nunca na boca, porque tinham muita fortaleza- e aplicadas com um aparelho que eles trouxeram, e que lhe chamavam de clister, que trazia um canudinho de cana com uma tripa de borrego que ligava o aparelho ao canudinho, e este devia enfiar-se no pipi (eles, que são sérios mas descarados, lhe chamavam kon, que é quase igual ao nome entre nos, e que não digo para não pecar) com duas ou três lavagens daquele caldo, dadas em intervalos de doze horas, era garantido que o intruso, qual diabo, sairia de onde não devia estar. Mas tudo isto referido com amor e boas maneiras.

Aqueles franceses devem trazer muito mundo às costas. Sabem mais do que o Senhor Bispo, e podemos afirmar que ele é o diabo de saias. Os ditos frades de Alcobaça sabem tantas histórias picantes e tem tanta habilidade para as contar, mesmo com aquelas falas atrapalhadas, que por nossa vontade, mesmo até da Madre Superiora, que algumas vezes até se mijou pelas pernas abaixo de tanto rir, nunca ficamos contentes por se irem embora, de regresso a Alcobaça. Se lhe dizermos que muitas das rezas que fazemos ao longo dos dias as dedicamos a pedir que voltem quanto antes... Olhe, a irmã Anunciada diz que gostava muito de ter um anjinho vindo daquele frade loiro. E quem não? Mas não podemos orientar a vida por aí.

A irmã Rosarinho quis entrar na conversa dizendo que, em comparação com aqueles fidalgos de merda (desculpe Dona Inês, mas é que eles são mesmo isso) o frades do Clister são mais do que nobres, e trazem salsichas das grandes, sem ser de lata. Eles dizem qualquer coisa como sausison.

E com esta palestra chegamos às portas do palácio. Ali nos separamos, mesmo sabendo que até cães, gatos e ratos, sabiam do nosso caso.

(*) nunca entendi como se podem fazer bem as coisas com os pés juntos. Só se for saltando à corda. Até aos animais, de burros a cavalos, para que não saiam para longe, se lhes atam as patas com umas manilhas.

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