sábado, 2 de novembro de 2019

MEDITAÇÕES - Vamos andando


E OUTRAS FRASES IMPRECISAS

Tantas vezes me apontaram que era um sujeito, essencialmente e persistentemente, embirrante, que não tive outra solução do que aceitar o facto. Este caminho, que obviamente, abdica de uma tentativa credível de emenda é algo que posso considerar irreparável. Corresponde ao dilema do lacrau quando montava sobre a rã, que gentilmente e parvamente, aceitou o pedido de o levar para outra margem, acreditando na palavra do insecto peçonhento em como, desta vez, não o picaria.

Outra história com igual mensagem é aquela em que se conta da saturação de um marido em relação com a sua amada esposa. Esta, sem atender a que a cabeça do esposo tinha menos cabelo do que uma bola de bilhar, passava o dia insultando-o de ser piolhoso. O homem, por mais que tentasse resistir a este contínuo vexame, estava tão saturado, farto, nervoso e mesmo furioso que um dia, ao atravessarem um rio, aproveitando uma ponte que lá estava para este fim, virou-se para a sua querida (?) companheira, que não parava com a lenga lenga de “piolhoso-piolhoso-piolhoso”, com um valente empurrão a enviou para as águas turbulentas. Enquanto ela caia não parou de vociferar, e mesmo depois de já practicamente submersa tinha as duas mãos à superfície e fazia com as unhas dos polegares como se esmagasse e matasse assim os obcecantes parasitas.

Pois, recordei que noutro escrito “memorável”, destes que ofereço gratuitamente aos leitores ausentes, referi o costume, actualmente em vigor -como o leite em pacote- de quando nos perguntam pela saúde, em vez de referir toda lista de achaques e problemas corporais, beatíficamente nos limitamos a dizer “vamos andando”. Daí o pessoalmente tirar a conclusão de que Portugal está cheio de andarilhos incansáveis, sempre andando, nem que seja a manquejar.

Sendo eu novo, coisa que fica lá muito para trás, lembro que se dizia que os europeus continentais, entre eles os da Lusitânia de Viriato (que chegava até Toledo e grande parte da Estremadura e Andaluzia actualmente espanhola) eram propensos a relatar as suas maleitas, fossem reais ou imaginárias. Enquanto isso os naturais do Reino Unido desviavam pela tangente, convictos que o relatar doenças e achaques era de mau tom, coisa a evitar. Conclusão: parece que a educação britânica ganhou força e nos incitou a andar, com benefícios para a circulação pedonal e sanguínea.

A meditação não pode terminar aqui, atendendo à admitida vocação para ser embirrante. São várias as frases habituais que dizem uma coisa mas pretendem dizer outra bastante diferente. Uma delas é frequente quando pretendemos pagar com numerário -situação cada dia menos habitual- Como raramente a conta a saldar inclui, exclusivamente, unidades certas da moeda em vigor, digamos que aparecem uns restos, em cêntimos, que devem mudar de proprietário. Uma das frases habituais que nos dizem é: Pode arranjar 37 cêntimos? (Ou outra importância que corresponda à soma a liquidar).

Sendo eu, como confesso, um embirrante, quando não resisto digo: de me as moedas estragadas que tentarei arranjar! Se a pessoa à minha frente não ficar espumando pela boca, esclareço: É que esta é umas das frases em que aquilo que se diz não corresponde, literalmente, ao que se pretende dizer. Nesta ocasião a pergunta deveria ser: terá, por acaso, essas moedas para fechar a conta? Ou outra equivalente.

Retrocedendo na idade, mais uma vez, recordo que dei muitas gargalhadas quando via uma vinheta ilustrando um homem caído na rua e com um facalhão espetado no peito. Um passante perguntava-lhe, muito compungido: Isto dói-lhe? E o visado respondia, invariavelmente, “só quando rio”. E esta fraca anedota, gráfica, aparecia com frequência. A conhecia de cor. Mas mesmo assim reagia como se fosse a primeira vez.

Dias atrás, andando confiado no piso que tinha pela frente, coisa que nem sempre podemos valorizar assim dadas as características da muito famosa e estimada calçada portuguesa, dei de pantanas no chão. Bati com a cabeça, com a testa propriamente dita, fazendo um barulho notável (dado que estava oca, não admira..) Prontamente surgiram seis ou mais pessoas, algumas com telemóveis prontas a tirar testemunhos gráficos, e perguntavam (em coro desafinado) dói muito? Por acaso não sangrava nem apresentava um "galo" e por isso limitei-me a responder, erguendo-me (com ajuda),NEM POR ISSO, SEMPRE TIVE A CABEÇA MUITO DURA... E é verdade!

E fui andando... como pertence responder e agir.

Saúde e boas castanhas, é o meu desejo.

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