E OUTRAS FRASES IMPRECISAS
Tantas
vezes me apontaram que era um sujeito, essencialmente e
persistentemente, embirrante, que não tive outra solução do que
aceitar o facto. Este caminho, que obviamente, abdica de uma
tentativa credível de emenda é algo que posso considerar
irreparável. Corresponde ao dilema do lacrau quando montava sobre a rã, que gentilmente e parvamente, aceitou o pedido de o levar para
outra margem, acreditando na palavra do insecto peçonhento em como, desta vez,
não o picaria.
Outra
história com igual mensagem é aquela em que se conta da saturação
de um marido em relação com a sua amada esposa. Esta, sem atender a
que a cabeça do esposo tinha menos cabelo do que uma bola de bilhar,
passava o dia insultando-o de ser piolhoso. O homem, por mais que
tentasse resistir a este contínuo vexame, estava tão saturado,
farto, nervoso e mesmo furioso que um dia, ao atravessarem um rio,
aproveitando uma ponte que lá estava para este fim, virou-se para a
sua querida (?) companheira, que não parava com a lenga lenga de
“piolhoso-piolhoso-piolhoso”, com um valente empurrão a enviou
para as águas turbulentas. Enquanto ela caia não parou de
vociferar, e mesmo depois de já practicamente submersa tinha as duas
mãos à superfície e fazia com as unhas dos polegares como se
esmagasse e matasse assim os obcecantes parasitas.
Pois,
recordei que noutro escrito “memorável”, destes que ofereço
gratuitamente aos leitores ausentes, referi o costume, actualmente
em vigor -como o leite em pacote- de quando nos perguntam pela
saúde, em vez de referir toda lista de achaques e problemas
corporais, beatíficamente nos limitamos a dizer “vamos andando”.
Daí o pessoalmente tirar a conclusão de que Portugal está cheio de
andarilhos incansáveis, sempre andando, nem que seja a manquejar.
Sendo
eu novo, coisa que fica lá muito para trás, lembro que se dizia que
os europeus continentais, entre eles os da Lusitânia de Viriato (que
chegava até Toledo e grande parte da Estremadura e Andaluzia
actualmente espanhola) eram
propensos a relatar as suas maleitas, fossem reais ou imaginárias.
Enquanto isso os naturais do Reino Unido desviavam pela tangente,
convictos que o relatar doenças e achaques era de mau tom, coisa a
evitar. Conclusão: parece que a educação britânica ganhou força
e nos incitou a andar, com benefícios para a circulação pedonal e sanguínea.
A
meditação não pode terminar aqui, atendendo à admitida vocação
para ser embirrante. São várias as frases habituais que dizem uma
coisa mas pretendem dizer outra bastante diferente. Uma delas é frequente quando pretendemos pagar com numerário -situação
cada dia menos habitual-
Como raramente a conta a saldar inclui, exclusivamente, unidades
certas da moeda em vigor, digamos que aparecem uns restos, em cêntimos, que devem mudar de proprietário. Uma das frases
habituais que nos dizem é: Pode
arranjar 37 cêntimos? (Ou
outra importância que corresponda à soma a liquidar).
Sendo
eu, como confesso, um embirrante, quando não resisto digo: de me
as moedas estragadas que tentarei arranjar! Se
a pessoa à minha frente não ficar espumando pela boca, esclareço:
É que esta é umas das frases em que
aquilo que se diz não corresponde, literalmente, ao que se pretende
dizer. Nesta ocasião a pergunta deveria ser: terá, por acaso, essas moedas para
fechar a conta? Ou outra equivalente.
Retrocedendo
na idade, mais uma vez, recordo que dei muitas gargalhadas quando via
uma vinheta ilustrando um homem caído na rua e com um facalhão
espetado no peito. Um passante perguntava-lhe, muito compungido: Isto dói-lhe? E o
visado respondia, invariavelmente, “só
quando rio”.
E esta fraca anedota, gráfica, aparecia com frequência. A conhecia
de cor. Mas mesmo assim reagia como se fosse a primeira vez.
Dias atrás, andando confiado no piso que tinha pela frente, coisa que nem sempre podemos valorizar assim dadas as características da muito famosa e estimada calçada portuguesa, dei de pantanas no chão. Bati com a cabeça, com a testa propriamente dita, fazendo um barulho notável (dado que estava oca, não admira..) Prontamente surgiram seis ou mais pessoas, algumas com telemóveis prontas a tirar testemunhos gráficos, e perguntavam (em coro desafinado) dói muito? Por acaso não sangrava nem apresentava um "galo" e por isso limitei-me a responder, erguendo-me (com ajuda),NEM POR ISSO, SEMPRE TIVE A CABEÇA MUITO DURA... E é verdade!
E fui andando... como pertence responder e agir.
E fui andando... como pertence responder e agir.
Saúde
e boas castanhas, é o meu desejo.
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