quinta-feira, 14 de novembro de 2019

MEDITAÇÕES – É difícil manter-se estático




ENTRAR NO METRO EM HORA DE PONTA

Mesmo que consideremos que mantemos intactas as nossas premissas pessoais, que não mudamos de opinião e nos colocamos tranquilamente nas antípodas do que defendíamos horas antes, ou no dia anterior, dando fé de ser um insuportável volúvel, a vida nos alerta da insensatez que seria o pretender afirmar que, apesar de maiormente nos manter no mesmo sector de pensamento, não tivemos alterações notáveis.

Para disfarçar pode-se afirmar que estas alterações não são importantes, tal como ao andar vamos mudando o pé que suporta o nosso peso. Mas andamos! E até podemos verificar que, na nova localização a que chegamos, o ambiente é diferente daquele que respirávamos anteriormente.

Gastei muita tinta”, demasiadas palavras e circunlóquios para tentar explicar uma coisa tão simples como é definida pela máxima Nunca passa duas vezes a mesma água sob a ponte. Ou seja, queiramos ou não, ao longo dos dias, meses ou anos, vamos mudando paulatinamente. O que não obsta a que, por razões de peso, as mudanças podem ser extremamente rápidas. E mal vistas.

Quando escrevi o cabeçalho tinha uma imagem bem clara do que desejava referir. Depois, como viram, perdi o fio da meada. Fiz mal, desviei do fixo e meti-me no lodo. A ideia era de referir que se entrarmos no metro em hora de ponta, e não encontrarmos lugar vago para nos sentar ou um ponto fixo onde nos agarrar, será muito difícil vencer a inércia do conjunto quando a composição muda de velocidade, ou oscila devido ao traçado da via. Se o número de pessoas por metro quadrado for do género compacto, como as sardinhas enlatadas, o mais sensato é deixar que o nosso corpo acompanhe as deslocações dos vizinhos. Mas sempre procurando não provocar susceptibilidades por contactos indesejados.

Avançando para outro aspecto da vida quotidiana, aquilo que ontem nos parecia indiscutível pode ter mudado notoriamente. Tanto por vectores externos como por mudanças de ânimo pessoal. Daí que as nossas opiniões, que gostaríamos poder afirmar que eram sempre as mesmas, podem ir ganhando matizes que não aceitávamos pouco tempo antes.

O encarregado de manter o rumo de um navio ou um avião, e que para tal conta com a sua acção sobre o leme, sabe que não se pode distrair na sua responsabilidade, e por isso, mesmo que existam automatismos que ajudem a seguir uma rota, não pode afastar-se muito dos comandos.

Depois de tão profunda reflexão sinto que devemos aceitar que somos muito mais volúveis do que pretendemos dar a entender. Que o qualificativo de vira-casacas, ou cata-vento não nos agrada? Pelo menos se nos for atribuído. Então chegamos a uma situação bastante indefinida: as nossas “oscilações de pensamento e comportamento poder ser toleráveis, pelo observador que nos avalia, dentro de uns limites socialmente aceitáveis? E quais os graus de desvio permitidos?

Na linguagem social, enquanto não incida intensamente nos campos da política, somos especialistas em diminuir uma situação desagradável. Por exemplo: quando a comida nos é servida excessivamente quente. Quando levamos a primeira colherada à boca, pode dar-nos a sensação de que arde, que aquilo é pior do que as brasas do inferno; mas se dermos com o olhar preocupado da anfitriã, disfarçaremos tanto quanto formos capazes, e, em vez de soltar uma barbaridade, afivelamos um sorriso de complacência, iniciando uma conversa banal para dar tempo a que o manjar perca algumas calorias.

Dado que as calorias que referi não são, precisamente, as tais que se indicam nas dietas para não engordar, um dia pode ser que me decida a tentar explicar porque existe esta confusão calórica. A experiência diz-me que não devo aguardar um incitamento por parte dos hipotéticos leitores.



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