ENTRAR
NO METRO EM HORA DE PONTA
Mesmo
que consideremos que mantemos intactas as nossas premissas pessoais,
que não mudamos de opinião e nos colocamos tranquilamente nas
antípodas do que defendíamos horas antes, ou no dia anterior, dando
fé de ser um insuportável volúvel, a vida nos alerta da
insensatez que seria o pretender afirmar que, apesar de maiormente
nos manter no mesmo sector de pensamento, não tivemos alterações
notáveis.
Para
disfarçar pode-se afirmar que estas alterações não são
importantes, tal como ao andar vamos mudando o pé que suporta o
nosso peso. Mas andamos! E até podemos verificar que, na nova
localização a que chegamos, o ambiente é diferente daquele que respirávamos anteriormente.
“Gastei
muita tinta”, demasiadas palavras e circunlóquios para tentar
explicar uma coisa tão simples como é definida pela máxima Nunca
passa duas vezes a mesma água sob a ponte. Ou seja, queiramos ou
não, ao longo dos dias, meses ou anos, vamos mudando paulatinamente.
O que não obsta a que, por razões de peso, as mudanças podem ser
extremamente rápidas. E mal vistas.
Quando
escrevi o cabeçalho tinha uma imagem bem clara do que desejava
referir. Depois, como viram, perdi o fio da meada. Fiz mal, desviei
do fixo e meti-me no lodo. A ideia era de referir que se entrarmos no
metro em hora de ponta, e não encontrarmos lugar vago para nos
sentar ou um ponto fixo onde nos agarrar, será muito difícil vencer
a inércia do conjunto quando a composição muda de velocidade, ou
oscila devido ao traçado da via. Se o número de pessoas por metro
quadrado for do género compacto, como as sardinhas enlatadas, o mais
sensato é deixar que o nosso corpo acompanhe as deslocações dos
vizinhos. Mas sempre procurando não provocar susceptibilidades por
contactos indesejados.
Avançando
para outro aspecto da vida quotidiana, aquilo que ontem nos parecia
indiscutível pode ter mudado notoriamente. Tanto por vectores
externos como por mudanças de ânimo pessoal. Daí que as nossas
opiniões, que gostaríamos poder afirmar que eram sempre as mesmas,
podem ir ganhando matizes que não aceitávamos pouco tempo antes.
O
encarregado de manter o rumo de um navio ou um avião, e que para tal
conta com a sua acção sobre o leme, sabe que não se pode distrair
na sua responsabilidade, e por isso, mesmo que existam automatismos
que ajudem a seguir uma rota, não pode afastar-se muito dos
comandos.
Depois
de tão profunda reflexão sinto que devemos aceitar que somos muito
mais volúveis do que pretendemos dar a entender. Que o
qualificativo de vira-casacas, ou cata-vento não nos agrada? Pelo
menos se nos for atribuído. Então chegamos a uma situação
bastante indefinida: as nossas “oscilações de pensamento e
comportamento poder ser toleráveis, pelo observador que nos avalia,
dentro de uns limites socialmente aceitáveis? E quais os graus de
desvio permitidos?
Na
linguagem social, enquanto não incida intensamente nos campos da
política, somos especialistas em diminuir uma situação
desagradável. Por exemplo: quando a comida nos é servida excessivamente quente. Quando levamos a primeira
colherada à boca, pode dar-nos a sensação de que arde, que aquilo
é pior do que as brasas do inferno; mas se dermos com o olhar
preocupado da anfitriã, disfarçaremos tanto quanto formos capazes,
e, em vez de soltar uma barbaridade, afivelamos um sorriso de
complacência, iniciando uma conversa banal para dar tempo a que o
manjar perca algumas calorias.
Dado
que as calorias que referi não são, precisamente, as tais que se indicam nas dietas para não engordar, um dia pode ser que me decida a tentar explicar porque existe
esta confusão calórica. A experiência diz-me que não devo
aguardar um incitamento por parte dos hipotéticos leitores.
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