ESTIGMAS
Alguns
sinónimos, mesmo que com matizes próprios: MANCHA, SINAL, FERRETE,
MAZELA
Com excessiva frequência, ou quase
sempre, aquela pessoa que sofre duma marcação que lhe ficou gravada
desde muito cedo; por vezes já herdada de algum progenitor,
consegue adaptar-se a ser conhecido, por vizinhos e conterrâneos,
como se de uma inofensiva alcunha se tratasse. De facto, muitos dos
cognomes ou apelidos que constam dos registos de identidade tem a sua
origem numa alcunha, seja de índole pessoal, corporal ou de
personalidade, mas também podem estar associados a uma origem
geográfica.
Os ferretes mais penosos e
indeléveis são aqueles ofensivos, que se herdaram e dos quais a
pessoa “favorecida” não tem possibilidade de escapar, pelo
menos facilmente. É como ter um sinal de nascença na pele. Além
disso, todos aqueles que identificam a pessoa pela sua alcunha
herdada, evitam e conseguem, jamais dar a saber à vítima que, por
mais anos que passem e o seu comportamento não mereça aquela
qualificação, é este qualificativo que, perpétuamente, lhe surge
na memória.
Creio que todos nós temos, no
arquivo humorístico, as vergonhas que passamos, enquanto éramos
menos sabedores e imprudentes, se nos dirigíamos a alguém pela
alcunha que, invariavelmente acompanhava a pessoa que nos aparecia
pela frente. Nesta característica de educação transmitida, que
além de errada é usada sem pensar na maldade que causa, são mesmo
muitos os adultos irresponsáveis.
Um exemplo vivido. Estaríamos no
início da década de '50, -na fase mais negra do após guerra
consequência do golpe de estado do exército fascista espanhol-
quando, sendo eu um garoto inexperto, a minha mãe me incumbiu de ir
até um sapateiro de remendos (naquela
época mandavam-se colocar meias solas e saltos com bastante
frequência, não só pelo desgaste causado pelos infantes como
também pela má qualidade dos materiais de recurso disponíveis)
para ver se os meus sapatos já estavam remendados. Eu sabia onde
morava e sapateiro, e ao me darem as indicações foi referido, como
sempre, pelo sobrenome, não-oficial, de “sabatonas”. Fui lá
ter, sem dificuldade.
O homem exercia o seu mister numa
divisão que dava para a rua, com a janela quase sempre aberta.
Dirigi-me a ele, e a falta da melhor, inquiri se era ali onde
trabalhava o senhor “sabatonas”. Nem é necessário dizer que o
homem, mais do que sabedor desta alcunha, ao ver que eu era um garoto
incapaz de retorquir, deu-me o que hoje creio que devia ser uma
pequena descompostura. Em concreto deve ter dito que se chamava ...
(não recordo) e que era feio dar alcunhas. Mas levei os sapatos para
casa.
Ao chegar, ainda com o recado fresco
nos meus ouvidos, contei o sucedido. A galhofa familiar foi extensiva
a todos os presentes, sem se punirem pela falta de aviso que deviam
ter tido antes de eu sair.
Lamentavelmente, na Catalunha onde
morava, e também na ruralidade portuguesa, era sintomático, geral e
sem excepção, conhecer as pessoas pelas alcunhas e não pelos
nomes. E, sem conseguir recuperar retratos correctos de outras
vivências pessoais desta época, onde as alcunhas eram as
personagens, e dado que sendo eu o mais velho dos filhos e não
existir outra pessoa disponível para fazer recados, a situação
repetiu-se em mais de uma e de duas ocasiões.
Conclusão: São hábitos populares
que estão enquistados na linguagem quotidiana, e que com excessiva
frequência implicam uma noção pejorativa. É factual que
as alcunhas passam de geração a geração, tanto pelos
utilizadores, useiros e vezeiros, como para os alvos desta forma
ignóbil de ser identificados, tem uma “longa vida social” A
única técnica que imagino se pode aplicar para terminar com o
epíteto que mortifica, é o colocar terra de per meio. Ou dito de
outra maneira, ir para longe, onde não existam pessoas que nos
conheçam pelo mote de família.
Mas atenção! Podemos escapar das
alcunhas anteriores, mas os já residentes, os veteranos do lugar, os
que carregam as suas alcunhas “de família” não demorarão em
nos atribuir uma identidade específica, que esperamos não nos cause
tanto trauma como aquela da qual não se sente a mínima
responsabilidade.
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