sexta-feira, 20 de setembro de 2019

MEDITAÇÕES – O escrever e o coçar



É SÓ COMEÇAR...

Uns cem anos atrás, nesta península ibérica, incluído o nosso jardim rectangular, ainda havia, infelizmente, muita gente incapaz de ler e escrever. Dependiam de outrem para que os ajudasse a decifrar aqueles símbolos confusos, e mais até quando agrupados de uma forma que ele, pesaroso e envergonhado, não entendia.

Hoje ainda se escreve muito. Mas vinte anos atrás escrevia-se muito mais; sem comparação. A dúvida subjacente é a de saber se existem, ainda, leitores assíduos para tanta letra impressa. Para facilitar a fixação de um discurso, com a mesma rapidez com que o emissor o debitava, inventaram-se vários esquemas de simplificação, sendo a estenografia aquele que se considerava mais idóneo e possível de interpretar, digamos traduzir, por outra pessoa que não aquela que gatafunhou. Nos dias de hoje, especialmente entre os mais jovens, que vivem agarrados aos aparelhos portáteis de comunicação, dizem, os que sabem, que foram evoluindo numa espécie de linguagem cifrada, com abreviaturas e signos que lhes permitem “escrever” quase tão depressa como se falassem, e com a vantagem acrescida de que por não emitirem sons, podem passar desapercebidos no meio de outras pessoas.

Já antes da actualidade, em especial após a segunda guerra mundial, os amigos da literatura se escandalizaram pela invasão das imagens desenhadas, acompanhadas de mini-textos, fossem em rodapé ou de buchas em nuvem, com as quais inclusive se banalizaram obras clássicas. Com uma simplificação tão acentuada, que lhes tirava a maior parte, se não toda, da mensagem social e humana que se pretendia oferecer na obra original. De facto, não só pela transformação de textos nitidamente literários em folhetos descartáveis, como também a apropriação da indústria cinematográfica, o que se tornou evidente foi que o número de fieis leitores de clássicos diminuiu drasticamente. Mesmo depois de adultos muitos cidadãos preferiram atender às versões resumidas, onde o pensamento fica de fora em prol da acção.

Durante séculos o saber foi sendo acumulado e disseminado através dos documentos escritos, que com a difusão da imprensa, foi magnificado exponencialmente. Criaram-se magnas bibliotecas, mesmo antes de existirem livros como hoje os conhecemos, A prova mais evidente de como a leitura livresca deixou de ser a base do saber e a fonte de conhecimento geral, é que o esforço magno que conseguiram os enciclopedistas, que surgiram coetâneamente com a Revolução Francesa, e que Dinis Diderot e Jean-Baptiste
d'Alambert ficaram como pais em partilha, já perdeu toda a força de penetração. Já não andam estudantes de porta em porta tentando ganhar algum propondo às famílias a compra de uma magna enciclopédia.

Quem ainda tem uma série de volumes deste tipo de compilação, mesmo que não chegue ao nível da Enciclopédia Britânica, já poucas vezes se decide a consultar. Aqueles grossos livros estão dormentes, expostos aos peixinhos de prata que os comerão gulosamente. Em sua substituição existem versões, nem sempre merecedoras de crédito, nas “páginas electrónicas” de vários “servidores”.

São muitos, e sempre de lastimar, os sintomas que nos referem o facto, já insofismável, de que cada dia se dedica menos tempo útil a ler o que está sobre papel. Desta constatação há quem deduza que a cidadania em geral está avançando, rapidamente, para a ignorância funcional, mesmo que se admita que existem os que, nas suas especialidades ou interesses pessoais, tenham níveis de conhecimento muitíssimo superiores aos da população em geral.

Máximas e Rifões

  • Eruditos sem obras e nuvem sem chuva.
  • Ler sem entender é caçar sem colher.
  • De nada duvida quem nada sabe.
  • Muito falar, pouco saber.

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