É
SÓ COMEÇAR...
Uns
cem anos atrás, nesta península ibérica, incluído o nosso jardim
rectangular, ainda havia, infelizmente, muita gente incapaz de ler e
escrever. Dependiam de outrem para que os ajudasse a decifrar aqueles
símbolos confusos, e mais até quando agrupados de uma forma que
ele, pesaroso e envergonhado, não entendia.
Hoje
ainda se escreve muito. Mas vinte anos atrás escrevia-se muito mais;
sem comparação. A dúvida subjacente é a de saber se existem,
ainda, leitores assíduos para tanta letra impressa. Para facilitar a
fixação de um discurso, com a mesma rapidez com que o emissor o
debitava, inventaram-se vários esquemas de simplificação, sendo a
estenografia aquele que se considerava mais idóneo e possível
de interpretar, digamos traduzir, por outra pessoa que não aquela
que gatafunhou. Nos dias de hoje, especialmente entre os mais jovens,
que vivem agarrados aos aparelhos portáteis de comunicação, dizem,
os que sabem, que foram evoluindo numa espécie de linguagem cifrada,
com abreviaturas e signos que lhes permitem “escrever” quase tão
depressa como se falassem, e com a vantagem acrescida de que por não
emitirem sons, podem passar desapercebidos no meio de outras pessoas.
Já
antes da actualidade, em especial após a segunda guerra mundial, os
amigos da literatura se escandalizaram pela invasão das imagens
desenhadas, acompanhadas de mini-textos, fossem em rodapé ou de
buchas em nuvem, com as quais inclusive se banalizaram obras
clássicas. Com uma simplificação tão acentuada, que lhes tirava a
maior parte, se não toda, da mensagem social e humana que se
pretendia oferecer na obra original. De facto, não só pela
transformação de textos nitidamente literários em folhetos
descartáveis, como também a apropriação da indústria
cinematográfica, o que se tornou evidente foi que o número de
fieis leitores de clássicos diminuiu drasticamente. Mesmo depois de
adultos muitos cidadãos preferiram atender às versões resumidas,
onde o pensamento fica de fora em prol da acção.
Durante
séculos o saber foi sendo acumulado e disseminado através dos
documentos escritos, que com a difusão da imprensa, foi magnificado
exponencialmente. Criaram-se magnas bibliotecas, mesmo antes de
existirem livros como hoje os conhecemos, A prova mais evidente de
como a leitura livresca deixou de ser a base do saber e a fonte de
conhecimento geral, é que o esforço magno que conseguiram os
enciclopedistas, que surgiram coetâneamente com a Revolução
Francesa, e que Dinis Diderot e Jean-Baptiste
d'Alambert ficaram como pais em partilha, já perdeu toda a força de penetração. Já não andam estudantes de porta em porta tentando ganhar algum propondo às famílias a compra de uma magna enciclopédia.
d'Alambert ficaram como pais em partilha, já perdeu toda a força de penetração. Já não andam estudantes de porta em porta tentando ganhar algum propondo às famílias a compra de uma magna enciclopédia.
Quem
ainda tem uma série de volumes deste tipo de compilação, mesmo que
não chegue ao nível da Enciclopédia Britânica, já poucas vezes
se decide a consultar. Aqueles grossos livros estão dormentes,
expostos aos peixinhos de prata que os comerão gulosamente. Em sua
substituição existem versões, nem sempre merecedoras de crédito,
nas “páginas electrónicas” de vários “servidores”.
São
muitos, e sempre de lastimar, os sintomas que nos referem o facto, já
insofismável, de que cada dia se dedica menos tempo útil a ler o
que está sobre papel. Desta constatação há quem deduza que a
cidadania em geral está avançando, rapidamente, para a ignorância
funcional, mesmo que se admita que existem os que, nas suas
especialidades ou interesses pessoais, tenham níveis de conhecimento muitíssimo superiores aos da população em geral.
Máximas
e Rifões
- Eruditos sem obras e nuvem sem chuva.
- Ler sem entender é caçar sem colher.
- De nada duvida quem nada sabe.
- Muito falar, pouco saber.
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