quinta-feira, 26 de setembro de 2019

MEDITAÇÕES - O “nosso” DEUS É ZAROLHO ?


OS CICLOPES

O facto de ser excessivamente céptico, ou descrente em relação a conceitos que se aceitam sem discussão, como se se tratassem de dogmas de fé, e portanto temas sobre os quais não estamos “autorizados” a ter dúvidas e muito menos a ser alvo de polémicas, não me impede, antes pelo contrário, os observar com curiosidade e isenção. E com uma irresistível vontade de tentar descobrir as origens de algumas lendas e costumes, mais ou menos fantásticos.

O facto de não termos outra hipótese, factível, de admitir que a nossa permanência neste mundo, como ente individual, tem um período de validade relativamente curto e que, devido a esta consciência estruturou-se a memória por meio da transmissão oral de factos pretéritos, e, mais credível quando se dispõe de textos ou qualquer espécie de transcrição por símbolos que se possam considerar como documentos (apesar do reconhecer a quase inevitável manipulação, voluntária ou involuntária, que pode ter sido introduzida pelo relator) faz com que a pesquisa e interpretação de testemunhos de tempos passados seja uma actividade apreciada e divulgada.

Mercê aos muitos estudiosos da antiguidade, tanto arqueólogos, criptógrafos e os seus estudos comparativos de documentos de várias épocas, nos tenham possibilitado saber que muitas das nossas crenças tradicionais tiveram a sua origem em culturas que já desapareceram, mas que deixaram rastros que ainda perduram, apesar de que ao longo dos tempos sofreram adaptações para acompanhar a evolução da sociedade.

A nossa cultura “ocidental”, que normalmente nos limitamos a considerar herança de latinos, gregos, egípcios e semitas, tem a sua génese em alicerces em áreas geográficas relativamente próximas. Nomeadamente naquela zona que, genericamente, identificamos como sendo o Oriente Médio. Todo o Antigo Testamento, que em muitos capítulos é uma compilação de antigos relatos,está centrado nesta zona, à volta dos rios Tigris e Eufrates.

Damos pois como certo, indiscutível, que as culturas mediterrâneas mais próximas, semítica, grega e latina, se basearam nas mitologias mesopotâmicas, que por sua vez se inspiraram nas mitologias de sumérios, arcádios, assírios e babilónicos. Nas inscrições que se encontraram e se conseguiram interpretar, apesar do sempre existente hermetismo das religiões, encontraram-se relatos de grandes inundações, catastróficas, e outras manifestações telúricas, que as escavações confirmam, depois de analisadas criteriosamente, com as relatadas nas mitologias. 

Foram sendo adoptadas e adaptadas, sucessivamente por sucessivas mitologias e que, na actualidade estas grandes inundações, converteram-se nos dilúvios “universais”. Também se admitem os desaparecimentos, repentinos à nossa escala temporal humana, de cidades por terramotos, vulcões, deslizamento de terrenos e outras manifestações de instabilidade da crusta terrestre.

Os deuses de umas civilizações em declínio foram sendo incorporados às novas (?) mitologias, adaptando aos novos costumes, mas quase sempre mantendo os mesmos atributos ou poderes, até chegar às personagens de culto actuais, classificadas em diferentes estatutos, tal como acontecia séculos, ou milénios atrás. Nada de novo neste domínio. Só adaptações à vontade de quem está no comando em dada fase da evolução. O facto de que uma minoria social, com alguma erudição, saiba que tal personagem de culto actual é um decalque de outra, com os mesmos preceitos e capacidades, muito antes de que os semitas já as adoptassem, não nos deve afectar.

E assim cheguei ao ponto que me incentivou a procurar -e não encontrei de forma convincente- de onde surgiu, já na mitologia semita, a representação de um Deus Pai, que alem de ser o responsável da criação, nos é mostrado que nos observa, vigia, omnipresente, através de uma “janela” triangular (a tríade é uma simbologia muito corrente nas mitologias). Aquele único olho, perscrutador, vigilante, que parece que faz pontaria ou que a personagem correspondente é possuidor de um só olho, no meio da testa, como um ciclope, não me satisfaz, não chega para claudicar de uma explicação mais antiga com argumentos convincentes, mesmo que imaginários. Duvido que fosse engendrado pelos semitas ancestros dos judeus e daí transferido para o cristianismo, sempre com o propósito de reciclar o que ainda era de utilidade.

Insistindo na pesquisa recordei as referências a seres mitológicos denominados de ciclopes. A importância histórica dos ciclopes nas mitologias mediterrâneas, e também na Ásia, não se pode esquecer. É quase uma versão mitológica do princípio da conservação da energia. As coisas podem mudar de forma, de denominação, mas no fundo continuam a existir dentro de um novo molde.

Este olho sem o correspondente par simétrico não está ali por ter sido resultado de uma inspiração repentina. A evolução das mitologias mostra que sempre se respeitaram as crenças anteriores, apesar de as adaptarem com o propósito de encaixarem num contexto mais abrangente, e além disso lhes proporcionar um carácter exclusivo.

A personagem que melhor se encaixa com os ciclopes é POLIFEMO. da antiga mitologia grega, já da segunda geração dos ciclopes. Este Polifemo é descrito na Odisseia como um ente sumamente cruel, devorador de homens, entre outras "qualidades" que, numa primeira análise se conjuga com o Deus dos israelitas, o do Antigo Testamento, mas não encaixa na imagem divina proposta pela doutrina de Jesus, o cristianismo. Todavia se nalguma coisa se destaca o Deus do Antigo Testamento, seja Jeová ou outro heterónimo qualquer, é que era impiedoso nos seus julgamentos e sentenças. 

Neste aspecto podemos entender que aquele olho inquisidor, que nos é apresentado no interior do famoso triângulo (símbolo esotérico) é uma simplificação da máscara semi-humana com que os gregos da sua época clássica, representavam o POLIFEMO, entidade, inquiridora e de notório mau carácter, e pior feitio, além de feio e repulsivo.



Máscara antiga representando o ciclope POLIFEMO

Esta descrição de temperamento divino traz-me à memória uma quadra que ouvi em muitas ocasiões quando era criança, e não tinha um espírito crítico desenvolvido. Foi-me sempre referida em castelhano, mas a versão em português diz. SABES QUE DEUS TE ESTÁ A VER, SABES QUE ESTÁ OLHANDO PARA TI, E SABES QUE TENS QUE MORRER, MAS NÃO SABES QUANDO. Um texto que implicitamente alerta para a pouca benevolência que podemos esperar de Deus Pai quando nos julgar. Pelo menos se for correcto o critério de quem inventou a quadra


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