OS CICLOPES
O
facto de ser excessivamente céptico, ou descrente em relação a
conceitos que se aceitam sem discussão, como se se tratassem de
dogmas de fé, e portanto temas sobre os quais não estamos
“autorizados” a ter dúvidas e muito menos a ser alvo de
polémicas, não me impede, antes pelo contrário, os observar com
curiosidade e isenção. E com uma irresistível vontade de tentar
descobrir as origens de algumas lendas e costumes, mais ou menos
fantásticos.
O
facto de não termos outra hipótese, factível, de admitir que a
nossa permanência neste mundo, como ente individual, tem um período de validade relativamente curto e que, devido a esta consciência
estruturou-se a memória por meio da transmissão oral de factos pretéritos, e, mais credível quando se dispõe de textos ou qualquer
espécie de transcrição por símbolos que se possam considerar como
documentos (apesar do
reconhecer a quase inevitável manipulação, voluntária ou
involuntária, que pode ter sido introduzida pelo relator)
faz com que a pesquisa e interpretação de testemunhos de tempos
passados seja uma actividade apreciada e divulgada.
Mercê aos muitos estudiosos da antiguidade, tanto arqueólogos,
criptógrafos e os seus estudos comparativos de documentos de várias
épocas, nos tenham possibilitado saber que muitas das nossas crenças
tradicionais tiveram a sua origem em culturas que já desapareceram,
mas que deixaram rastros que ainda perduram, apesar de que ao longo
dos tempos sofreram adaptações para acompanhar a evolução da
sociedade.
A
nossa cultura “ocidental”, que normalmente nos limitamos a
considerar herança de latinos, gregos, egípcios e semitas, tem a
sua génese em alicerces em áreas geográficas relativamente
próximas. Nomeadamente naquela zona que, genericamente,
identificamos como sendo o Oriente Médio. Todo o Antigo Testamento,
que em muitos capítulos é uma compilação de antigos relatos,está
centrado nesta zona, à volta dos rios Tigris e Eufrates.
Damos
pois como certo, indiscutível, que as culturas mediterrâneas mais
próximas, semítica, grega e latina, se basearam nas mitologias mesopotâmicas, que por sua vez se inspiraram nas mitologias de
sumérios, arcádios, assírios e babilónicos. Nas inscrições que
se encontraram e se conseguiram interpretar, apesar do sempre
existente hermetismo das religiões, encontraram-se relatos de
grandes inundações, catastróficas, e outras manifestações telúricas, que as escavações confirmam, depois de analisadas criteriosamente, com as relatadas nas mitologias.
Foram sendo
adoptadas e adaptadas, sucessivamente por sucessivas mitologias e
que, na actualidade estas grandes inundações, converteram-se nos
dilúvios “universais”. Também se admitem os desaparecimentos,
repentinos à nossa escala temporal humana, de cidades por
terramotos, vulcões, deslizamento de terrenos e outras manifestações
de instabilidade da crusta terrestre.
Os
deuses de umas civilizações em declínio foram sendo incorporados
às novas (?) mitologias, adaptando aos novos costumes, mas quase
sempre mantendo os mesmos atributos ou poderes, até chegar às
personagens de culto actuais, classificadas em diferentes estatutos,
tal como acontecia séculos, ou milénios atrás. Nada de novo neste
domínio. Só adaptações à vontade de quem está no comando em
dada fase da evolução. O facto de que uma minoria social, com
alguma erudição, saiba que tal personagem de culto actual é um
decalque de outra, com os mesmos preceitos e capacidades, muito antes
de que os semitas já as adoptassem, não nos deve afectar.
E
assim cheguei ao ponto que me incentivou a procurar -e não
encontrei de forma convincente- de onde surgiu, já na mitologia semita, a representação de um Deus Pai, que alem de ser o
responsável da criação, nos é mostrado que nos observa, vigia,
omnipresente, através de uma “janela” triangular (a
tríade é uma simbologia muito corrente nas mitologias). Aquele
único olho, perscrutador, vigilante, que parece que faz pontaria ou
que a personagem correspondente é possuidor de um só olho, no meio
da testa, como um ciclope, não me satisfaz, não chega para
claudicar de uma explicação mais antiga com argumentos
convincentes, mesmo que imaginários. Duvido que fosse engendrado pelos semitas ancestros dos judeus e daí transferido para o
cristianismo, sempre com o propósito de reciclar o que ainda era de
utilidade.
Insistindo
na pesquisa recordei as referências a seres mitológicos denominados
de ciclopes. A importância histórica dos ciclopes nas
mitologias mediterrâneas, e também na Ásia, não se pode
esquecer. É quase uma versão mitológica do princípio da
conservação da energia. As coisas podem mudar de forma, de
denominação, mas no fundo continuam a existir dentro de um novo
molde.
Este
olho sem o correspondente par simétrico não está ali por ter sido
resultado de uma inspiração repentina. A evolução das mitologias
mostra que sempre se respeitaram as crenças anteriores, apesar de
as adaptarem com o propósito de encaixarem num contexto mais
abrangente, e além disso lhes proporcionar um carácter exclusivo.
A
personagem que melhor se encaixa com os ciclopes é POLIFEMO. da
antiga mitologia grega, já da segunda geração dos ciclopes. Este
Polifemo é descrito na Odisseia como um ente sumamente cruel, devorador de homens, entre outras "qualidades" que,
numa primeira análise se conjuga com o Deus dos israelitas, o do
Antigo Testamento, mas não encaixa na imagem divina proposta pela
doutrina de Jesus, o cristianismo. Todavia se nalguma coisa se
destaca o Deus do Antigo Testamento, seja Jeová ou outro heterónimo
qualquer, é que era impiedoso nos seus julgamentos e sentenças.
Neste aspecto podemos entender que aquele olho inquisidor, que
nos é apresentado no interior do famoso triângulo (símbolo
esotérico) é uma simplificação da máscara semi-humana com que os
gregos da sua época clássica, representavam o POLIFEMO, entidade,
inquiridora e de notório mau carácter, e pior feitio, além de feio
e repulsivo.

Máscara antiga
representando o ciclope POLIFEMO
Esta
descrição de temperamento divino traz-me à memória uma quadra que
ouvi em muitas ocasiões quando era criança, e não tinha um
espírito crítico desenvolvido. Foi-me sempre referida em
castelhano, mas a versão em português diz. SABES QUE DEUS TE ESTÁ
A VER, SABES QUE ESTÁ OLHANDO PARA TI, E SABES QUE TENS QUE MORRER,
MAS NÃO SABES QUANDO. Um texto que implicitamente alerta para a
pouca benevolência que podemos esperar de Deus Pai quando nos julgar.
Pelo menos se for correcto o critério de quem inventou a quadra
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