Para
ler antes de adormecer
Suponho que poucos irão ler. É o
habitual. Isto de ler sem bonecos e coisas com muitas linhas de texto
é coisa de fugir. E fogem mesmo, a sete pés, como se diz. E agora,
com as cremações na moda, ninguém tem tempo livre para temas de
divagação. As mentes estão limitadas em exclusividade para tudo
o que está ligado à pandemia.
Mas ler, sem ter que nos preocupar
com ter exame, é uma boa ginástica mental. E procurar saber como
era a vida, no nosso Ocidente europeu, nos século XIII, e seguintes,
pode abrir algumas janelas que nos ajudem a discorrer sobre o que
ainda permanece na sociedade do século XXI, já na era da
informática.
Penso que muitos de nós já
captamos que esta noção de viver em democracia é muito bonita, apelativa, e baseada num conceito com origem na Grécia clássica, mas hoje desactualizado. Pouco tinha em comum com o que ainda hoje muitos imaginam o que este
termo representa. De entrada devemos saber que na Grécia dos
filósofos o votar estava reservado para um número muito restrito
dos habitantes. Entre a plebe com direito a cidadania, forasteiros e escravos, só se destacava uma elite.
Daí que o esquema político -mais utópico do que efectivo- da democracia actual nem sempre
se ajusta ao que se imagina. Para já deixemos de lado, para outra
ocasião, caso ela surgir, o capítulo de direitos e obrigações, só confirmo que colocadas as duas listagens nos pratos de uma balança, pesam mais as obrigações do que os direitos.
Aquilo que, de facto, trazia na
mente antes de iniciar este texto. Que pretendia estar centrado sobre um dos aspectos da história que persistem. Era a noção de como, no tempo
em que estamos, há quem insista em considerar-se “bem nascido” e como tal, merecedor de respeito, pertencendo a um patamar superior, diferente dos outros, em função de uma herança
sanguínea. Pessoas, que nascem e morrem como qualquer outro, sentem-se,
mesmo que seja só em sonhos, como privilegiados sociais nomeadamente por serem
descendentes de uma fidalguia ultrapassada.
Do outro lado da sociedade -a zona dos plebeus- verifica-se, ainda hoje, a
existência de pessoas que, por atavismo congénito, ainda ficam,
instintivamente, fieis respeitadores perante alguém que faz gala de
ser seu superior pelo simples facto de ter uns apelidos invulgares
-sempre vários em sequência-
e, caso se atrever, a referir algum título de nobreza. Não necessáriamente do longo avoengo, pois que na derradeira fase da monarquia lusitana venderam-se títulos nobiliarios, de baixo nível, por pouco dinheiro, ou por feitos sem importância de maior.
É aqui reside aquilo que se
esconde: Como e porque o antepassado ilustre mereceu ser elevado a um
escalão nobiliário. E quais os direitos que, progressivamente,
foram tomando os nobres em relação ao povo que vivia (de
facto vivia muito mal). Os servos, fosse com este
apelativo9 ou com outro quase equivalente, e são muitos (*) não era dono das
terras que amanhava nem dos produtos que conseguia. Nem sequer era
dono da sua vida, nem da dos seus descendentes. Não podia sair dos
limites territoriais do Senhor.
E, até bastante perto da nossa era,
ainda o Senhor podia usufruir, se quisesse, do direito de ser ele
quem podia desflorar a noiva. Dito de outra forma: o Amoo tinha o
direito à primeira noite. Os direitos que a fidalguia foi acumulando
e que hoje sentimos serem abusivos e humilhantes, o foram com a
anuência do Rei e do Clero, em cuja Corte e cenáculos existia um
compadrio equivalente ao que tanto nos enfada actualmente.
(*) É só escolher: servente,
serviçal, criado, aio, escravo, lacaio, moço, cativo, refém.
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