segunda-feira, 14 de outubro de 2019

MEDITAÇÕES - Uma entrevista falsa




E PIOR, IRREVERENTE E OFENSIVA
(pelo menos para quem exija limites de respeito)

Depois de séculos de tentativas podemos afirmar que, finalmente, e com a prestimosa ajuda de reputados técnicos na NASA e astrónomos independentes, foi possível entrar em contacto directo com o Deus Pai.

Com todo o respeito (e temor) que nos merece, e depois de ter conseguido autorização celestial, deixamos aqui uma transcrição fiel do diálogo que o Nosso Deus Pai teve a amabilidade e bonomia de nos conceder.

    P. Bom dia. Senhor Deus. Perdoe a minha ousadia e falta de cerimónia ao me dirigir a esta entidade tão respeitável. Ou melhor, a mais importante de todo o Universo e parte do exterior.
  • R. De facto são múltiplas as mensagens que me chegam solicitando um contacto directo, tipo diálogo aberto. Mas deve compreender que não é justo abrir um precedente, depois de séculos de mutismo e fechar-me em copas. Seja como for, pergunte o que entende ser de interesse para os humanos que representa, segundo constava no seu pedido de entrevista.
  • P. Muito obrigado. E noto nas suas palavras, que mesmo sem abdicar do seu estatuto excepcional, digamos único, aceita descer a um nível de diálogo sem os artifícios de linguagem próprios das elites ligadas profissionalmente às religiões. Pelo menos no uso e abuso habitual de palavras de difícil interpretação para quem não esteja bem dentro do vocabulário.

  • A minha primeira pergunta penso ser de difícil resposta, esperando que não esqueça que ela tem que ser perceptível para os mesmos humanos que a fazem: Qual é a figura simbólica que mais lhe agrada, ou na qual se sente melhor representado? O idoso das barbas brancas, como um Pai Natal do Comércio, um Peixe, como foi usado pelos primeiros cristãos, uma alva pomba como a que o seu eleito Noé soltou, como um drone vivo, para saber se as águas diluviais já tinham descido. Ou será aquele triângulo com um olho incluso, ao jeito de um ovo a cavalo do bife?
  • R. Tenho que responder que nenhuma representação pictórica, escultórica ou escrita me é simpática. Prefiro que admitam ser um Ente. O Ente mais importante do Universo! Incorpóreo. Tem que me conceber como uma ideia a respeitar e obedecer, sem a mínima tentativa de me dar uma figura, que sempre seria banalizar. E isso não me seria aceitável.
  • P. Dentro do meu limitado conhecimento, pois não passo de ser um simples mortal, e longe da necessária erudição, entendo e admito sem qualquer constrangimento, a noção de incorporeidade que prefere. Todavia, existem demasiados textos, considerados credíveis, onde se refere terem podido ver e ouvir as suas manifestações e até conselhos ou ordens, que, como pode tentar compreender, nos deixa bastante confusos sobre se devemos ou podemos aceitar as tentativas de o representar. Pode completar o seu comentário anterior, e assim nos ajudar a entender a divindade?
  • R. Sei, por séculos e milénios de contactos indirectos com os humanos que vocês, homens e mulheres, tem por hábito a obsessão de ver para crer, e que devem ser poucos os que se esforcem por aceitar que o Deus Pai, como se habituaram a me chamar, é simplesmente uma ideia. Uma ideia que vos enviei e que recebem quando nascem. Eu, se insistirem, em me imaginar como visível, perdem o seu tempo. Jamais me viram nem me deixarei ver fisicamente, nem como aquele ectoplasma que inventaram para contentar os crédulos no esoterismo e similares.
  • E tenho que acrescentar que as únicas mensagens que dei a alguns humanos, que por uma análise comportamental escolhi, foram sempre, e assim continuarão a ser, exclusivamente pessoais, e que as possíveis divulgações que os agraciados possam ter feito ou vierem a fazer, não tiveram a minha aceitação. E mais, que na imensa maioria das vezes são completas falsidades e absurdas. Em casos concretos, e excessivamente frequentes, atingem o nível da blasfémia. E como tal merecedoras de castigo. Como disse, e reitero, as minhas mensagens sempre foram, e continuarão a ser, mentais, dirigidas a uma pessoa concreta. Tudo o que sair desta regra é um abuso e uma fraude que não devem aceitar, e muito menos acreditar.
  • P. Senhor Deus, continuo a não saber como me hei de dirigir a si. Se tiver uma proposta agradecerei que ma transmita. Mas agora desejava entrar num tema que considero ser muito melindroso, nomeadamente para si, e peço que desculpe a minha ousadia, própria de um entrevistador. Pode explicar, de uma forma perceptível, a relação que existia, caso existisse, entre Jesus da Nazaré e Jeová?
  • R. Já deve ter imaginado que antes de o jornalista falar eu já entrei no seu pensamento e sabia o que me ia colocar pela frente. Mas já que concedi a abertura deste contacto directo não seria elegante, como dizem os humanos bem educados, que eu fugisse de responder. A vida deste profeta em terras de Judá chamou-me a atenção desde cedo. Sabe que houve centenas de profetas e iluminados, antes e depois de Jesus, e que todos alardeavam de ter contacto directo comigo. Bobos! Eu sabia das suas andanças e profecias e por vezes, sem eles se aperceberam, lhes enviava umas dicas para os ajudar a orientar aquele povo de nómadas rústicos.
  • Os mais difíceis de controlar foram, e continuaram a ser, os profissionais das religiões, os “sábios” que afirmavam poder interpretar as minhas vontades e mensagens. Uns vaidosos e perigosos néscios!. Vontade de os fulminar com raios não me faltou, e se nem sempre o fiz deveu-se ao facto de que, apesar de todo o mal que podiam fazer, ajudavam, sem saberem, a educar aquele povo.
  • Voltando a Jesus. Ele, como todos os humanos, antes e depois dele, era uma criatura de minha feitura, não nego, nem tal seria correcto, pois se até Satanás foi meu filho... Mas Jesus, como outros mais, entrou num caminho de fazer o que entendia, por sua conta e risco, afirmando que era meu filho (não entendia que todos os outros eram, tinham sido, e seriam, igualmente meus filhos) E, para completar a sua imagem pessoal, decidiu alterar as leis que eu tinha deixado bem escritas e meditadas para que o povo de Israel seguisse.
  • Muito do que Jesus fez teve a minha aceitação e até aplauso, para usar uma das vossas expressões. Mas outras... O ajudar a mulher adúltera; desafiar os que jamais tinham pecado antes de poder atirar a pedra que era a pena dos meus mandamentos..., isso e outras acções impróprias de um descendente directo, como o ressuscitar mortos, contrariando a natureza, orientada por mim, levaram a que consentisse na sua morte ignominiosa.
  • Lamento o fim triste que teve, mas por outro lado não me desgostou, antes bem pelo contrário, o facto de surgir, com alguns erros e abusos de interpretação das minhas leis, uma doutrina mais benévola e actualizada do que a que insistiram e insistem em seguir os ortodoxos israelitas. Eu já era demasiado velho para mudar as minhas próprias regras, as que, sinteticamente, dei a Moisés.

E já falei de mais. Mais um erro meu o ter consentido nesta entrevista. Assim pode confirmar que Deus também falha, erra, se engana. É a parte humana do meu espírito. Até porque, consoante  a sociedade evolui o que inicialmente pode ser pecado, pode passar a ser uma simples falta ou até ser bem aceite.

Vocês dizem que aquele que acompanha um coxo acaba por também coxear. E o Deus Pai, depois de tantos séculos de acompanhar os humanos, não consegue, como viu, escapar de errar de vez em quando. E admito que tal me aconteceu  em demasiadas ocasiões. E continuarei a falhar. Mas como não existe uma entidade que me examine as contas... Vantagens e desvantagens de ser o Patrão!


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