segunda-feira, 28 de outubro de 2019

MEDITAÇÕES - Ainda sobre religiões



O Catolicismo é monoteísta ?

Imagino, com convicção, que bastou este cabeçalho para “inflamar” muitos espíritos. Que só pela sua apresentação constitui uma blasfémia, de tal magnitude que se o tribunal da Santa Inquisição (melhor seria SANTÍSSIMA) estivesse com poder vigente, eu, nesta mesma hora, estaria não só a ferros como pendurado na polé aguardando o dia em que deveria participar, como artista, numa cremação na praça pública.

Outros leitores, mais tranquilos, devem-se inquirir porque motivo, um descrente, ateu convicto, passa tanto tempo entretido com estes assuntos. A única resposta plausível que eu mesmo encontro é que, queiramos ou não, a inércia da religião no nosso modo de vida, no ambiente onde convivemos, é tão forte e influenciável do que gostaríamos. Ou mereceria, para alguns como eu.

Para dar algum seguimento à pergunta inicial é pertinente fazer um esforço para imaginar um recuo até os primórdios da sociedade dos humanos. TODOS reconhecemos que os primeiros bípedes pensantes, merecedores, por mérito próprio, de serem considerados como humanos, não podiam ficar como simples objectos, impávidos, perante os fenómenos atmosféricos, climatológicos, temporais e repetitivos com as estações, que ainda hoje e apesar de tanto (?) conhecimento acumulado, nos podem fazer sentir como simples e indefesos espectadores, sem a mínima capacidade de interagir com a natureza violenta e indomável.

Não é possível negar que, ainda hoje, o homem procure justificações, a ser possível segundo o in completo conhecimento científico ao alcance do cidadão nos tenta ajudar na interpretação do desconhecido. E sempre surgiu a mesma possível resposta: alguma entidade, indefinida, invisível, com a qual não é possível dialogar, mas que, como defesa, se imaginou que era pertinente respeitar e tentar agradar. Estas múltiplas entidades foram adquirindo o estatuto de deuses. Que de imediato se procurou materializar, fosse numa montanha, num rochedo especial, numa nascente, num animal perigoso, ou até um vento dominante, entre outras muitas possibilidades. Foi a génese do animismo. Esta tentativa de encontrar respostas a perguntas impossíveis de obter uma resposta na fase mais primária da cultura humana, deve ser vista como a proto-religião.

A mente humana, que sempre complicou a sua vida tentando descobrir o desconhecido, se encarregou de ampliar e humanizar o modo de tentar invocar e respeitar as forças ocultas. Ultrapassar a veneração de uma montanha ou outro símbolo de visão imediata, não deve ter tardado a ser complementado com a invenção de figuras, fossem humanas ou compostas, ao estilo das famosas esfinges, sereias, centauros, e a hiper quimera. E não se pode deixar de referir a sua conexão com o culto de espíritos, sejam de humanos já falecidos ou de entidades totalmente míticas. Daí ao idolatria.

Passar para o Politeísmo, é uma simples evolução, mas que sempre surgiu acompanhada da estruturação de uma hierarquia à que os muitos deuses “menores” deviam sujeitar-se. Todas as religiões antigas, já estruturadas, seleccionaram uma entidade suprema. Assim aconteceu com o politeísmo egípcio, onde Ra, ou Amon, era o ente magno. A partir destas figuras míticas sempre se criou uma corte celestial com graus mais ou menos bem definidos. Uma hierarquia semelhante à dos exércitos que se criaram com a aglomeração de povos anteriormente isolados e independentes entre si, e que actualmente persiste na cúria católica.

Como a evolução não se consegue parar, do Politeísmo teve que se voltar ao Monoteísmo inicial. Que levado ao extremo rigor implicaria a degradação e esquecimento de todos os deuses menores, o que só é possível se lhes forem retirados todos os seus imaginados poderes, que o homem gosta e teima em invocar pedindo ajuda incorpórea.

No mundo ocidental em que nos movemos, os grupos de crentes que, de facto, são adeptos do monoteísmo, são o Judaísmo e o Islão, que sendo primos entre si, como certos números, se guerreiam para se auto-justificar como herdeiros e seguidores fieis das Sagradas Escrituras, concretamente do Antigo Testamento. Ambas religiões são fieis dos profetas e outros homens merecedores de serem recordados, mas o poder total, absoluto, está no seu Jeová ou Alá, que obviamente são ambas a mesma entidade.(1)

Dentro da evolução das teologias temos o Cristianismo, com uma doutrina e umas regras que todos os ocidentais “cristãos” seguimos, uns mais rigorosamente e outros só quando lhes calha a jeito. E dentro deste grande grupo de gentes surgiu o Protestantismo de Martinho Lutero, cuja principal diferença com os Católico Apostólico Romanos é a de não obedecer o Papa de Roma como autoridade gestora e orientadora. Noutro patamar está o de reduzirem o número de entes merecedores de ser referentes.

O protestantismo abdicou de uma longa série de personagens de referência, muitas vezes totalmente míticas, mas que os fieis invocam tal como os romanos faziam com os seus deuses, num politeísmo fundamentalmente idêntico, até porque a muitos Santos, Santas e Santinhos, Beatos, Anjos, Arcanjos, e outros em ininterrupta incorporação, a todos eles lhes são atribuídas capacidades de nos favorecer, seja directamente (?) ou como intermediários (?) para outras entidades em degraus mais elevados no poder celestial.

E assim chegamos ao ponto em que cada um, se teve a paciência de ler o que já sabia, pode, com a mão sobre onde se aloja o coração, opinar se somos, apreciados em conjunto, monoteístas, politeístas ou mesmo idolatras.

Porque insisto em meditar sobre este assunto, que para mim não passa de ser como a famosa lana caprina? Sinceramente não sei, parece uma obsessão. Mas não há dia em que, seja em livros, jornais ou programas da TV não me surja uma incitação para remoer numa coisa que não vale a pena perder tempo e menos de aquecer a mioleira. E a forma de descarregar é escrevendo...

(1) Friamente, neste século XXI, não nos parece absurdo, inconcebível, inaceitável, que duas concepções de religião com os mesmo alicerces sejam a base de uma incompatibilidade a nível factual, universal?

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