sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

MEDITAÇÕES 53 - Viajar para fugir



UMA IDA AO CINEMA

Ontem assistimos a uma estreia, se bem que estavam quatro pessoas na sala. Cada vez há menos espectadores no cinema, a não ser que os filmes de muita acção e cenários virtuais chamem o público que, por os ver a comprar bilhetes, já abrange desde crianças que há 40 anos nem podiam sonhar em entrar numa sala de cinema, como segue na pirâmide etária até adultos, uns adúlteros e outros monógamos, ou bissexuais, que hoje já está tudo boamente aceite. Lá diz a citação: OS TEMPOS LADRAM E A CARAVANA PASSA.
Pois o filme, que estreava naquela sessão, tem um título bastante longo: UM BILHETE DE COMBOIO PARA LONGE DAQUI. Só de ida. O filme em questão tem um conteúdo que, em grandes traços, se acomoda ao recentemente exibido A VIÚVA , do prémio Nobel de Literatura.
Por respeito tanto aos autores, como aos artistas, produtores e exibidores, não vou dar um resumo do argumento. Mas se escrevo é porque nos,o casal, já com mais de 80 Primaveras nas costas, acumulamos muita experiência de vida, o que nos permite ou incita, a ponderar as mensagens bem evidentes que o desenrolar da acção, que nem sequer é excessivamente longa no tempo, nos expõe de forma, em muita cenas, extremamente agressiva.
Imagino que as pessoas que mais imediatamente captarão o sentido anímico que afectava a personagem feminina principal, devem ser as mulheres casadas por algumas décadas, com filhos, sejam ainda em activo ou viúvas e divorciadas. Os homens, os espectadores melhor dizendo, se estiverem com os olhos internos tão abertos como os que lhes mostram o ecrã, podem ficar bastante tocados, sem sentirem que a sua atitude lhes seja indutora de culpa. Em verdade aquilo que se aponta está imerso no comportamento diferenciado dos dois membros de um casal. 
Um homem que, pêlo menos em certas ocasiões, não abdique do seu instinto de predador sexual, sem que estes desvios conjugais lhe impliquem um pesado sentimento de culpa. Sem pretender discriminar as mudanças sociológicas que a modernidade nos forneceu, é forçoso admitir que, em consequência da mulher ter sido incluída no mundo laboral, as infidelidades de esposa devem ter sido mais numerosas do que na época em que as mulheres, depois de casadas, viviam enclausuradas no lar.
Mas as situações que mais me impactaram, apesar de as conhecer, foram, por um lado, o ter que admitir que as esposas nem sempre estão animicamente afins a partilhar o furor copulativo do marido. No filme esta situação é insistentemente apresentada, amargamente,  possivelmente com a intenção de educar os maridos. Comentando em casa esta faceta do argumento imediatamente se chega à consideração de que o homem, tal como outros mamíferos, carrega no seu seio um bode. E que mesmo que tendo cometido deslizes no capítulo da fidelidade conjugal, depressa neutraliza o sentimento de culpa por se apoiar com o instinto natural. E quem diz tinto pode dizer branco, palhete ou espumoso, mas jamais água-pé. pois que esta beberagem não é coisa que se apresente seriamente.
A outra situação que o argumentista decidiu e que causou alguma surpresa, mesmo desconforto, é o como decidiu terminar a narrativa. Sem ceder ao "politicamente correcto". Sensatamente não fecha a história, e concede à personagem feminina uns graus de liberdade, de opções, que nos podem deixar desconfortáveis quando nos levantamos para sair.


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