segunda-feira, 15 de julho de 2019

OFENSAS HISTÓRICAS



Cordas e suicidas

Uma má experiência me elucidou, ou confirmou aquilo que implicitamente já sabia, de que é pertinente ter muito cuidado com aquilo que se diz e escreve, nomeadamente quando, apesar de estar convicto de que não ultrapassamos os limites do aceitável. E eu sou pecador penitente desta falta de travão no verbo.

Quando esquecemos que ninguém gosta que lhe apontem ter um chicalho no olho, já devemos recordar que está na mira de lhe ser apontada a trave que traz na sua vista. Dito de outro modo. É muito imprudente, inadequado, ofensivo e imperdoável por quem se sinta visado, o lhe referir qualquer defeito, mesmo que leve e considerado sem importância. Mesmo que se faça com boas intenções. Esquecer a prudência, especialmente com pessoa que temos como amigo “do peito”. Arrisca-se a perder o amigo, e com muitas probabilidades de ser um desencontro eterno.

Este preâmbulo pretende preparar o desconhecido leitor para um assunto que não me atrevo a apresentar a ninguém, especialmente a pessoas que penso podiam ser conhecedores de um facto consumado, verificável historicamente, ou que, pelo contrário, é uma memória de uma mentira espalhada com o propósito de denegrir. Coisa que não podemos considerar como impossível.

O assunto vem a propósito de um toponímico local. Num município com que estou ligado por matrimónio, existe um cemitério bastante antigo, que por carência de espaço disponível, foi decidido anexar uma área, situada a umas centenas de metros, onde se consagrou um novo campo-santo.

O antigo cemitério, ainda funcional para os recém falecidos cujas famílias sejam possuidoras de campas privadas, tem uma igreja, consagrada creio que a Santo António, mas que não trem paróquia, e que durante décadas, ou centenas de anos, serviu de Câmara Mortuária onde velar os mortos antes de serem entregues para o repouso “eterno”. Mais propriamente durante um período de tempo, anos, estipulado por leis e costumes. Com a introdução do espírito de promoção turística, sempre disposto a tudo sacrificar para atrair visitantes de poucas horas, esta igreja foi desactivada das suas funções tradicionais e dedicada a ser mais um espaço museológico, pouco visitado. Tudo bem. Aceite sem problemas pela população ainda existente.

Já dentro do recinto murado que constitui o campo santo, e situado ao lado direito da referida Igreja, existe um pequeno espaço, recatado, que é conhecido, pela população autóctone, como ser reservado ao enterramento dos leprosos, e também dos ajustiçados ou suicidas.

E aqui tropeço com a inibição de me atrever a perguntar: Havia leprosos nesta área?, fosse o concelho actual ou bastante maior, abrangendo mais população? E existia um “hospital” para acolher estes doentes, ou seja, utilizando a nomenclatura clássica , uma gafaria? E donde estava situada?

Já tive uma muito má experiência com este tema, embora noutra terra. Referir este facto, e outros semelhantes, hoje, pode ser visto como uma ofensa pessoal, imperdoável. Tentar esclarecer que as condições de salubridade existentes cem anos atrás, e até mais recentes, eram muito diferentes das de hoje é insistir nas ofensas. Que os campos alagados, fossem arrozais ou pantanosos, eram focos de febres palúdicas, de sezões, e que a inexistência de redes de esgotos, mais o aproveitamento das águas fecais para regar e adubar terrenos onde se cultivavam vegetais de consumo humano era uma fonte de transmissão e perpetuação doenças, hoje custa a admitir, mas não se pode negar, por ser conhecido e óbvio.

Referir que, se conheceu, indirectamente, mas por via confiável, que, além da tuberculose, endémica, a sarna e outras doenças de pele, ainda existiam núcleos de lepra nas primeiras décadas do século XX é visto como uma ofensa de primeiro grau.

Daí que não me atrevo a consultar nenhum cidadão, natural do concelho em questão, sobre o “talhão dos leprosos”. Existe um anexim, bem antigo, que alerta para : nunca falar em cordas em casa dum enforcado.

E anexins que nos afastam da verdade os há às dúzias:

- Mal me querem as comadres, porque lhes digo as verdades.

  • Quem não me crê, verdade me não diz.
  • A verdade não quer enfeites.
  • Vai-se a língua à verdade.
  • Amigo que fala verdade, e espelho são, diz o que é.
  • A verdade é amarga, a mentira é doce.

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