TOUPEIROS
Alguns
anos atrás estive radicado em Óbidos, acompanhado pela minha
esposa, nascida precisamente a pouca distância da casa onde ficamos.
em casa própria sita dentro da cidadela, ou seja intramuros. E
devido a um excesso de credulidade, ou vaidade injustificada, decidi
dedicar-me a uma ilusão de criador e replicante de artes plásticas,
inicialmente de cariz histórico, imaginando que aquele burgo levasse
os visitantes a aderir a um ambiente de outros tempos. Foi uma fase experimental que não levou a nada de valor, a não ser o ter
mantido uma actividade manual e mental sem pressões externas, por
decisão própria, e respeitando à história.
Em simultaneidade houve diversas iniciativas e “inventos” sob a
égide do município e seus colaboradores. Entre outras ideias de
propósito promocional fiquei a saber, através de grupos de
adolescentes correndo de um lado para outro, agarrados a um papel,
que devia ser um roteiro, no qual os incitava a seguirem um percurso
previamente fixado e “descobrirem” as respostas pertinentes.
Situação que os levava a importunar os residentes da Vila com
perguntas mais ou menos descabidas., o que me levava a pensar que não
foram previamente elucidados acerca do que iriam ver ou que, caso
algum professor acompanhante, tivesse tido esta iniciativa os
elementos da “viagem de estudo” não prestaram grande atenção.
Uma
das perguntas que constavam do percurso era o descobrir a razão
porque, os habitantes tinham a alcunha geral de toupeiros.
Se, aqueles inocentes e visivelmente ignorantes se atreviam a me
perguntar acerca desta alcunha, sem saberem previamente e de
utilidade para a sua vida futura, que em geral não há quem
aprecie o ser visto e identificado por uma alcunha, a minha
resposta era, sempre, qual de vocês sabe o que é uma toupeira e
quais são os seus hábitos?.
Nunca
algum destes passeantes sabia a resposta, e muito menos que estes
pequenos mamíferos habitavam debaixo da camada superficial dos
terrenos de lavoura, e que se ficava a saber que estavam minando pelos
montículos de terra que deixavam espaçadamente ao longo das suas
galerias. Que estas toupeiras, quando empurravam a terra para fora da
galeria, era muito raro que as pessoas as vissem, pois ao ouvirem a
vibração provocada no chão pela pessoa ao andar, desciam para a
galeria, seu habitáculo, e só pelos tais montinhos de terra
remexida (como também fazem as formigas) é que se sabia quem estragava as suas hortaliças.
Como
seja que nas horas de trabalho nas casas da vila só restassem
idosos, e que muitos se distraiam vendo quem passava pelas ruas, mas
sem vontade de serem vistas ou inquiridas por estranhos, diz-se que
habitualmente espreitavam por uma nesga das janelas, e que se alguém
se aproximava demasiado a pessoa fechava a abertura e deixava de ser
visível. Como uma toupeira. Daí a alcunha.
Sempre
me pareceu uma curiosidade, mas que devia ser vista quase ao nível
do ditado que preconiza Jamais falar em cordas numa casa
de enforcado. E por esta visão
de respeito não concordava com que se utilizasse esta alcunha, nada
simpática, com os habitantes do burgo, precisamente num roteiro
preparado e distribuído por um serviço da Câmara Municipal, a
jovens em estado de formação de personalidade.
Só
numa ocasião (e possivelmente não deve ter sido única.
Assim desejaria) vi que o grupo
de adolescentes, escolares, em vez de correrem desalmadamente como
numa gincana desportiva, estavam acompanhados por um adulto que lhes
explicava o que estava indicado no roteiro, e assim tirar algum
proveito da visita.
Mas
ouvi tantas idiotices e mostras de falta de raciocínio entre os jovens, e muitos adultos!, ao longo de anos, que deixei de ter
paciência para lhes explicar alguma coisa. Já vinham com falsas
ideias na cabeça. Cheguei à conclusão de que aquele ambiente
histórico era exclusivamente aproveitado para negócio. Até o dia
em que desisti e fechamos a porta.
Sem comentários:
Enviar um comentário