quinta-feira, 1 de agosto de 2019

VIVÊNCIAS DE VIRELLA


TOUPEIROS

Alguns anos atrás estive radicado em Óbidos, acompanhado pela minha esposa, nascida precisamente a pouca distância da casa onde ficamos. em casa própria sita dentro da cidadela, ou seja intramuros. E devido a um excesso de credulidade, ou vaidade injustificada, decidi dedicar-me a uma ilusão de criador e replicante de artes plásticas, inicialmente de cariz histórico, imaginando que aquele burgo levasse os visitantes a aderir a um ambiente de outros tempos. Foi uma fase experimental que não levou a nada de valor, a não ser o ter mantido uma actividade manual e mental sem pressões externas, por decisão própria, e respeitando à história.

Em simultaneidade houve diversas iniciativas e “inventos” sob a égide do município e seus colaboradores. Entre outras ideias de propósito promocional fiquei a saber, através de grupos de adolescentes correndo de um lado para outro, agarrados a um papel, que devia ser um roteiro, no qual os incitava a seguirem um percurso previamente fixado e “descobrirem” as respostas pertinentes. Situação que os levava a importunar os residentes da Vila com perguntas mais ou menos descabidas., o que me levava a pensar que não foram previamente elucidados acerca do que iriam ver ou que, caso algum professor acompanhante, tivesse tido esta iniciativa os elementos da “viagem de estudo” não prestaram grande atenção.

Uma das perguntas que constavam do percurso era o descobrir a razão porque, os habitantes tinham a alcunha geral de toupeiros. Se, aqueles inocentes e visivelmente ignorantes se atreviam a me perguntar acerca desta alcunha, sem saberem previamente e de utilidade para a sua vida futura, que em geral não há quem aprecie o ser visto e identificado por uma alcunha, a minha resposta era, sempre, qual de vocês sabe o que é uma toupeira e quais são os seus hábitos?.

Nunca algum destes passeantes sabia a resposta, e muito menos que estes pequenos mamíferos habitavam debaixo da camada superficial dos terrenos de lavoura, e que se ficava a saber que estavam minando pelos montículos de terra que deixavam espaçadamente ao longo das suas galerias. Que estas toupeiras, quando empurravam a terra para fora da galeria, era muito raro que as pessoas as vissem, pois ao ouvirem a vibração provocada no chão pela pessoa ao andar, desciam para a galeria, seu habitáculo, e só pelos tais montinhos de terra remexida (como também fazem as formigas) é que se sabia quem estragava as suas hortaliças.

Como seja que nas horas de trabalho nas casas da vila só restassem idosos, e que muitos se distraiam vendo quem passava pelas ruas, mas sem vontade de serem vistas ou inquiridas por estranhos, diz-se que habitualmente espreitavam por uma nesga das janelas, e que se alguém se aproximava demasiado a pessoa fechava a abertura e deixava de ser visível. Como uma toupeira. Daí a alcunha.

Sempre me pareceu uma curiosidade, mas que devia ser vista quase ao nível do ditado que preconiza Jamais falar em cordas numa casa de enforcado. E por esta visão de respeito não concordava com que se utilizasse esta alcunha, nada simpática, com os habitantes do burgo, precisamente num roteiro preparado e distribuído por um serviço da Câmara Municipal, a jovens em estado de formação de personalidade.

Só numa ocasião (e possivelmente não deve ter sido única. Assim desejaria) vi que o grupo de adolescentes, escolares, em vez de correrem desalmadamente como numa gincana desportiva, estavam acompanhados por um adulto que lhes explicava o que estava indicado no roteiro, e assim tirar algum proveito da visita.

Mas ouvi tantas idiotices e mostras de falta de raciocínio entre os jovens, e muitos adultos!, ao longo de anos, que deixei de ter paciência para lhes explicar alguma coisa. Já vinham com falsas ideias na cabeça. Cheguei à conclusão de que aquele ambiente histórico era exclusivamente aproveitado para negócio. Até o dia em que desisti e fechamos a porta.

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