AS
ESTIMADAS SARDINHAS ASSADAS!!!!
Cada
povo traz sedimentos na sua mente de uma série de preferências que,
em muitos casos, não conseguem manter a sua simpatia ou opção
instintiva quando confrontadas com os factos que, as mesmas opções
pessoais, possam ser “desqualificadas” por quem apresenta
argumentos que as conduzem a ser rejeitadas.
Neste
apontamento de hoje sofre dos condicionamentos que hoje me afectaram,
circunstâncias que não interessa especificar. O tema fica
circunscrito à culinária tradicional, que por ser característica
da população de uma determinada área e influenciada, desde muitos
anos atrás, pela acessibilidade de certos alimentos, e das
técnicas de cozinha que estavam disponíveis. Tentar fazer um
apanhado extensivo sobre os pratos regionais mais afamados seria uma
tarefa gigantesca. E quando se pretendesse valorizar, segundo os
critérios da cozinha normal entre nós, sem subir aos píncaros da
alta cozinha e cozinha “de autor”, nos depararíamos com a
necessidade que os nossos antepassados, mesmo recentes, tinham para
se abastecer e conseguir que na cozinha se preparassem alimentos que
hoje quase ficaram esquecidos.
Parece
óbvio que não citaremos extremos tais como o prazer que certos
povos tem comendo larvas de insectos, ou mastigando alguns no estado
adulto mas após serem assados ou cozinhados segundo as suas
técnicas. Se rejeitarmos a sugestão de comer escaravelhos, baratas
ou gafanhotos, devíamos recordar que estes animais são parentes
próximos dos camarões que apreciamos, sejam cozidos ou crus, para
acompanhar uma bebida alcoólica fresca.
De
modo semelhante temos a noção de que, caso sejamos carnívoros, é
recomendável cozinhar e comer a carne quanto mais recentemente
morta. Fugir das carnes em processo de decomposição. Mas quem viveu
no ambiente rural recorda, e sabe por ter visto, que também se
recomenda deixar a carne repousar algumas horas, ou mesmo um dia
inteiro, após a matança e antes de a desmembrar. Hoje creio que
não se liga muito a este preceito. Mas... se fizer uma leitura
atenta a certas reportagens de culinária “de topo”, pode encontrar referências a comercialização, a preços altos, de carne
de animais abatidos até 30 dias antes! E vinda de origens bem longínquas, como pode ser o Japão.
Regressando
ao rectângulo, os urbanitas actuais dificilmente aceitariam como
petisco a magra refeição que muitos ganhões e pastores, longe da
sua casa, comiam no seu descanso da jorna. Não raramente dispunham
de um naco de pão, raramente da véspera, e um bocado de toucinho
salgado. E já em casa, como lanche. Poder untar o pão da semana com
unto de porco temperado com pimentão, como se fosse manteiga fresca,
era um petisco que muitos velhos recordarão com saudade.
Do
que antecede podemos concluir que são os hábitos recentes que
condicionam o nosso paladar e as preferências. E não deixamos de
lado os limites de opção que nos são marcados pelos custos
monetários. Nem tudo o que sonhamos poder ter no prato nos é dado
conseguir.
Mesmo
assim há “iguarias” que estão tão fixas no ideário
gastronómico nacional que não resistem a uma analise de prós e
contras. E a mais penosa e generalizada é o impulso de comer
sardinhas assadas. Poucos
alimentos dos humanos devem possuir um nível de incómodo como o
fedor do assar peixe, e mais se forem sardinhas. E se ao comer este
peixe seja grelhado ou frito, nos sentíssemos com a boca aguada de
prazer, extasiados até, então já nos devemos considerar uns
sibaritas.
É sintomático, e mostra não respeitar as adversões dos não tradicionalistas extremos, que nesta época ainda se chamem parentes e amigos para uma “sardinhada”. Esta situação social é um dos atavismos que insistimos em valorizar, sem que tenha outro mérito do que o juntar pessoas num fingido agradável convívio. Nunca fui convidado para partilhar uma almoçarada de açorda de bacalhau! Felizmente.
E para que conste. Não sinto um ódio extremo em relação às sardinhas. Só ao cheiro, intenso e agressivo. Quando devidamente enlatadas são agradáveis!
Muito mais se podia escrever sobre alguns dos pratos que se consideram como
sendo o identificador culinário de uma zona determinada, atribuindo-lhe uma identidade reconhecível, na maior parte das vezes partilhada sem saber.
urbanita - pessoa que habita numa grande cidade
sibarita - pessoa dada ao luxo e aos prazeres da vida
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