quarta-feira, 14 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES – Evolução deficiente



Após 60 anos de casa

Muitos dos actuais habitantes de Portugal não têm uma experiência de vida no rectângulo que se possa comparar à minha. Outros, com uma dose razoável de sorte e boa saúde me acompanham ou mesmo ultrapassam esta fasquia.

A conjuntura actual em que nos deparamos com uma greve que é tratada de uma forma prepotente e desrespeitadora dos direitos da população em geral, não só pelos sectores directamente atingidos e comprometidos como também pela maioria dos meios de comunicação social, que sempre estão ansiosos de poder referir notícias ao estilo da famosa «homem que mordeu um cão». Em consequência, a população em geral é incitada a se precaver com um exagero que raia na loucura, sem pensarem que esta é uma situação passageira. Uma vez alertados com receios exagerados e já com os nervos à flor da pele, tomam as já clássicas atitudes de açambarcamento injustificado.

Pensando com um propósito de alargar os horizontes para além de saber onde podemos reabastecer, nem que seja limitadamente, a primeira conclusão que nos surge é a de que, podemos apostar sabendo que ganharíamos, muitos dos carros a que atestaram os depósitos, e ainda encheram recipientes para garantir uma reserva, tinham passado longos meses sem ver os seus depósitos cheios até o tubo de entrada. É uma situação clássica após o anuncio de faltar qualquer coisa, especialmente de bens essenciais. O impulso tem mais força do que o frio raciocínio.

Chegando a este ponto, de carácter sociológico, sou levado a meditar acerca da carência de evolução social que a população portuguesa «na que estou incluído, voluntariamente e com gosto». O tempo que já decorreu desde o golpe militar que pretendia, e conseguiu, terminar com o conflito nas colónias africanas, e que por tabela, derrubou uma longa ditadura «menos dura e cruel do que outras suas contemporâneas e posteriores». Depois veio uma fase de perigo em que se ameaçava converter Portugal numa segunda Cuba no extremo da Europa. Com a ajuda dos EUA e do já falecido Mário Soares, a sociedade passou a fase da rubéola, do sarampo e das papeiras e, entrou na idade adulta.«mais ou menos, ou em via estreita»

Avançando: Apesar das tentativas de progresso iniciadas nos últimos governos da Monarquia Constitucional, e depois com a República, a pressão dos poderes fácticos, seja da “nobreza” antiga e recentemente comprada, mais o intenso domínio do sector mais retro da Igreja Católica, a população de Portugal manteve-se excessivamente rural e ignorante, sem conseguir acompanhar a evolução de conhecimentos que, na Europa, se tinha iniciado, com bastante vigor, na Revolução Francesa.

O comportamento da cidadania actual, se visto sem paixão nem animosidade, reflecte um atraso congénito. Não se atingiu, excepto nalgumas zonas da metade norte do País, uma evolução para a burguesia, dependente da indústria e da necessidade imediata de promover a literacia e educação em geral da população. Os nomes que são citados como terem sido destacáveis estudiosos e alguns até difusores das novas ideias de como organizar a sociedade, sempre foram poucos e mal conhecidos pela população em geral.

Se dermos uma olhadela à imprensa menos popular, e até nesta em certas ocasiões, e nos noticiários e páginas culturais e políticas das emissoras de televisão, e tivermos em arquivo mental os nomes das famílias que já na monarquia eram poderosas, podemos ver que a “importância” que se concede a certas pessoas da actualidade já a herdaram junto com os pergaminhos familiares. Por outro lado, tendo, tal como os italianos, uma obsessão em identificar as personagens com um título nobiliário ou académico, este costume leva a que aqueles que conseguem um canudo (por vezes este logro não passa de ser isso mesmo: um logro, uma falsidade) querem passar, de imediato, para o outro lado da rua. Um atavismo nefasto que, muito directamente, conduz a separar a “gentinha” da “gente bem”.

Este atraso social ou melhor sociológico faz com que seja practicamente impossível conseguir uma adesão geral a qualquer movimento de contestação. Nem sequer aqueles que estão directamente prejudicados pela decisão que se pretende neutralizar se decidem a engrossar as colunas de reclamantes. Não admira, pois, que aqui não medrem os movimentos ao estilo dos coletes amarelos. Existe, agarrada na mente de muitíssima gente, um misto de medo e de falta de solidariedade com eles mesmos.

E hoje temos um exemplo vultuoso de como a demagogia e o desprezo pelos prejudicados inocentes, no sentido de que a imensa maioria dos afectados não tem o menos poder para alterar a situação. Nem sequer entendem que as sucessivas cedências que o governo tem feito, pressionado pelos seus “sócios na geringonça” vão afectar, sem compensação, outros sectores também com razões de exigir melhorias económicas.

Toda uma cobra que morde a cauda, um uroboro, pois que a economia de um País, e também a de Portugal na sua globalidade, reflecte uma variedade de vectores, que não são conseguidos através de greves e exigências salariais. Antes pelo contrário, e como todos os políticos conscientes (que devem ser minoria) sabem a instabilidade impossível de satisfazer não induz ao investimento produtivo. No máximo a abrir o cofre para avançar com projectos públicos que, cada dia que passa, são cobiçados por empresas estrangeiras, mais poderosas económica e tecnicamente do que as nacionais. E, que dada a evolução tecnológica cada vez dão trabalho a menos pessoas.

Finalmente numa sociedade que ainda não recuperou do seu atraso, o pensar que a informática e as novas profissões nos irá colocar na linha da frente é uma miragem sem realismo. Deveríamos ver a listagem de empresas iniciadas por portugueses que, nesta fase em que estamos, já são de multinacionais e que são geridas segundo os seus próprios interesses.


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