Após
60 anos de casa
Muitos
dos actuais habitantes de Portugal não têm uma experiência de vida
no rectângulo que se possa comparar à minha. Outros, com uma dose
razoável de sorte e boa saúde me acompanham ou mesmo ultrapassam
esta fasquia.
A
conjuntura actual em que nos deparamos com uma greve que é tratada
de uma forma prepotente e desrespeitadora dos direitos da população
em geral, não só pelos sectores directamente atingidos e
comprometidos como também pela maioria dos meios de comunicação
social, que sempre estão ansiosos de poder referir notícias ao
estilo da famosa «homem que mordeu um cão». Em
consequência, a população em geral é incitada a se precaver com
um exagero que raia na loucura, sem pensarem que esta é uma situação
passageira. Uma vez alertados com receios exagerados e já com os
nervos à flor da pele, tomam as já clássicas atitudes de
açambarcamento injustificado.
Pensando
com um propósito de alargar os horizontes para além de saber onde
podemos reabastecer, nem que seja limitadamente, a primeira conclusão
que nos surge é a de que, podemos apostar sabendo que ganharíamos,
muitos dos carros a que atestaram os depósitos, e ainda encheram
recipientes para garantir uma reserva, tinham passado longos meses
sem ver os seus depósitos cheios até o tubo de entrada. É uma
situação clássica após o anuncio de faltar qualquer coisa,
especialmente de bens essenciais. O impulso tem mais força do que o
frio raciocínio.
Chegando
a este ponto, de carácter sociológico, sou levado a meditar acerca
da carência de evolução social que a população portuguesa «na
que estou incluído, voluntariamente e com gosto». O tempo que
já decorreu desde o golpe militar que pretendia, e conseguiu,
terminar com o conflito nas colónias africanas, e que por tabela,
derrubou uma longa ditadura «menos dura e cruel do que outras
suas contemporâneas e posteriores». Depois veio uma fase de
perigo em que se ameaçava converter Portugal numa segunda Cuba no
extremo da Europa. Com a ajuda dos EUA e do já falecido Mário
Soares, a sociedade passou a fase da rubéola, do sarampo e das
papeiras e, entrou na idade adulta.«mais ou menos, ou em via
estreita»
Avançando:
Apesar das tentativas de progresso iniciadas nos últimos governos da
Monarquia Constitucional, e depois com a República, a pressão dos
poderes fácticos, seja da “nobreza” antiga e recentemente comprada, mais o intenso domínio do sector mais retro da Igreja
Católica, a população de Portugal manteve-se excessivamente rural
e ignorante, sem conseguir acompanhar a evolução de conhecimentos
que, na Europa, se tinha iniciado, com bastante vigor, na Revolução
Francesa.
O
comportamento da cidadania actual, se visto sem paixão nem
animosidade, reflecte um atraso congénito. Não se atingiu, excepto
nalgumas zonas da metade norte do País, uma evolução para a burguesia, dependente da indústria e da necessidade imediata de
promover a literacia e educação em geral da população. Os nomes
que são citados como terem sido destacáveis estudiosos e alguns até
difusores das novas ideias de como organizar a sociedade, sempre
foram poucos e mal conhecidos pela população em geral.
Se
dermos uma olhadela à imprensa menos popular, e até nesta em certas
ocasiões, e nos noticiários e páginas culturais e políticas das
emissoras de televisão, e tivermos em arquivo mental os nomes das
famílias que já na monarquia eram poderosas, podemos ver que a
“importância” que se concede a certas pessoas da actualidade já
a herdaram junto com os pergaminhos familiares. Por outro lado,
tendo, tal como os italianos, uma obsessão em identificar as
personagens com um título nobiliário ou académico, este costume
leva a que aqueles que conseguem um canudo (por vezes este logro
não passa de ser isso mesmo: um logro, uma falsidade) querem
passar, de imediato, para o outro lado da rua. Um atavismo nefasto
que, muito directamente, conduz a separar a “gentinha” da “gente
bem”.
Este
atraso social ou melhor sociológico faz com que seja practicamente
impossível conseguir uma adesão geral a qualquer movimento de
contestação. Nem sequer aqueles que estão directamente
prejudicados pela decisão que se pretende neutralizar se decidem a
engrossar as colunas de reclamantes. Não admira, pois, que aqui não
medrem os movimentos ao estilo dos coletes amarelos. Existe,
agarrada na mente de muitíssima gente, um misto de medo e de falta
de solidariedade com eles mesmos.
E
hoje temos um exemplo vultuoso de como a demagogia e o desprezo pelos
prejudicados inocentes, no sentido de que a imensa maioria dos
afectados não tem o menos poder para alterar a situação. Nem
sequer entendem que as sucessivas cedências que o governo tem feito,
pressionado pelos seus “sócios na geringonça” vão afectar, sem
compensação, outros sectores também com razões de exigir
melhorias económicas.
Toda
uma cobra que morde a cauda, um uroboro, pois
que a economia de um País, e também a de Portugal na sua
globalidade, reflecte uma variedade de vectores, que não são
conseguidos através de greves e exigências salariais. Antes pelo
contrário, e como todos os políticos conscientes (que devem ser minoria) sabem a instabilidade impossível de satisfazer não induz
ao investimento produtivo. No máximo a abrir o cofre para avançar
com projectos públicos que, cada dia que passa, são cobiçados por
empresas estrangeiras, mais poderosas económica e tecnicamente do
que as nacionais. E, que dada a evolução tecnológica cada vez dão
trabalho a menos pessoas.
Finalmente
numa sociedade que ainda não recuperou do seu atraso, o pensar que
a informática e as novas profissões nos irá colocar na linha da
frente é uma miragem sem realismo. Deveríamos ver a listagem de
empresas iniciadas por portugueses que, nesta fase em que estamos, já
são de multinacionais e que são geridas segundo os seus próprios
interesses.
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