segunda-feira, 26 de março de 2018

CRÓNICAS DO VALE - CAPÍTULO 20

Chegamos a Lisboa

- Nem sempre as coisas funcionam mal no “pequenino” Portugal, para não dizer portugalito porque é um termo mais depreciativo do que jocoso. O comboio pode-se dizer que está cumprindo o horário e dentro de momentos terei os filhos ao lado. Já tinha saudades deles, e tu vais ser apresentada formalmente, mesmo que eles já saibam da tua existência. Cá estão eles, ambos sorridentes.

- Deixem que vos abrace. Primeiro a Luísa,apesar de ser a mais nova, mas o seu sexo lhe aufere prioridades indiscutíveis. Como está, minha filhota?

- Como podem ver estou em forma. Ando quando não estou apertada de tempo e sempre consigo encontrar uma pausa para ir ao ginásio, onde não quis ter dia nem hora certa. E tu, paizinho, como sempre te nomeei quando criança, tampouco te vejo mal, e menos se atender à idade. Esta senhora que te acompanha deve ser a Isabel, minha madrasta, que por sinal não mete medo.

- Venha um abraço e uns beijos, “mamá” Isabel. O José Maragato é muito mau de aturar? Imagino que dirá que nem por isso. Que outra coisa seria possível que dissesse numa altura como esta? Lá chegará a altura em que existirá mais confiança. A minha mãe, que eu recorde, só se queixava das ausências do marido, que ele tentava justificar como sendo devidas a negócios sigilosos. Certamente que um eufemismo para não os chamar de escuros, se bem que quando fui crescendo e apanhando uma palavra aqui e outra acolá fiquei com a convicção de que ali aconteciam coisas um pouco fora das linhas.

- Luisinha! E se parasses de falar? Sempre foste uma gralha sem travão na língua. Apanhaste a Isabel em exclusiva e nos deixaste, a mim e ao Bruno, pendurados, como se fossemos moços de fretes, que por sinal parece que deixaram de existir.

- Como podem verificar o vosso pai é especialista em fazer calar, menos aos mortos. Dito isto vejo que este homem, feito e direito, é o meu recente enteado Bruno. Alto! Não me estendas a mão, que não mordo nem ofereço maças envenenadas! Quero um chi-coração de menino, mesmo que estejam longe os tempos de meninice, e uns beijinhos faciais para dar uma entrada simpática nesta vossa família.

E tenho que vos avisar de que estou muito curiosa por saber tudo, tudo, mesmo tudo, das vossas vidas e aventuras. Se não for hoje, será noutro dia, nem que eu tenha que vir a Lisboa de propósito para vos puxar da língua. Não se riam, que isto é coisa séria, pois que o vosso paizinho, quando quer, e é quase a todo momento, é muito calado, um túmulo egípcio! E vos garanto que destes seus descendentes -não sei, nem quero saber, se tem outras ninhadas por aí- tenho poucos elementos para conseguir retratos idóneos. É pá, esta tirada saiu catita. Não vos pareceu?

- Já que se apresentaram e como não enjoamos na viagem, que decorreu sem descarrilamentos nem choques com outras composições, creio eu, como chefe de Clã, que é o momento de nos dirigir para um local, que vocês dois já devem ter decidido, onde se possa tomar um ligeiro repasto, devidamente sentados e sem muito barulho ambiental. Mas! Atenção! Recordo que avisei que não estava pelos ajustes de me meterem num Avillez ou semelhante. Somos de hábitos antigos e apreciamos a boa mesa, mas clássica. E agora Bruno, agarra-te ao leme e leva-nos a bom porto. Entretanto ligarei para o hotel confirmando que estamos na cidade, mas que não sei a que horas daremos entrada.

- Suponho que sou tão faladora quanto a Luísa, e já vi que podemos confiar nas dotes de condução segura do Bruno, pelo que me atrevo a sugerir que podemos dialogar enquanto ele nos leva à certa. E dou a palavra à minha filha, recém aperfilhada mas já bem crescida. Conta-me o que tens feito até agora e o que imaginas que será o teu caminho daqui em diante. Depois interrogarei o Bruno, sempre aplicando as artes de fazer falar que treinei enquanto exercia a pouco nobre profissão de cabeleireira, e depois como empresária de salões de beleza. Por enquanto são dois, e bem afreguesados.


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