quarta-feira, 28 de março de 2018

CRÓNICAS DO VALE Capítulo 21



Isabel, tem calma!

Agora que parei “para respirar” verifico de que o resto dos passageiros se mantêm mudos e quedos. Isto leva-me a pensar que entrei com excessiva vontade de gerar confiança e que eles são ovos de outro ninho. Que as suas vidas, apesar de mais curtas do que a minha, pois são bastante mais novos, tem seguido percursos muitíssimo diferentes do meu. Estou aborrecida comigo mesma. Fui burra sem desculpa, e tanto à vontade quis mostrar que os afastei, possivelmente por uma boa, ou mais concretamente má, temporada.

Tenho idade e experiência mais do que suficiente para saber que nem todas as pessoas aceitam, instintivamente, descer dos seus pedestrais. Os enteados que nos acompanham são ambos possuidores de cursos superiores e eu, sem me envergonhar, criei o meu mundo, a partir do quinto ano do liceu, lavando cabeças num cabeleireira de vão de escada e ir galgando degraus com o meu esforço e interesse.

Estou ciente, farta de saber como se diz, que aquilo que estudamos e que tínhamos que provar saber em exames, fosse na quarta classe, no segundo ou no quinto ano do liceu, que foi onde eu parei, hoje, que é o tempo dos doutores, ou falsos doutores, são desprezados aqueles que ficaram nas bases. Adquiriram uns conhecimentos que hoje são vistos como sem préstimo. O que não esconde que se podem encontrar jovens, já com o primeiro e até segundo ciclo actuais, que se descontarmos o domínio que têm na manipulação de telemóveis, tablets e computadores, a sua bagagem de cultura geral é muito inferior à que nos era fornecida anteriormente, inclusive no nível da primária.

Todos tivemos oportunidades de conhecer chefes de repartições cujo diploma de estudos era do quinto ano. Hoje são todos doutores, ou pelo menos exigem ser tratados com esta categoria. Por isso o meu comportamento foi muito atrevido e excessivamente descontraído. Entusiasmada com o encontro esqueci que as mudanças sociais por vezes são menos profundas do que imaginamos. Que a democracia social ainda não cristalizou. Como podia pensar, se pensasse, que de repente iríamos comer todos do mesmo prato, eu e aqueles doutores?

De facto sou mesmo burra e nem sequer aplico as regras que imponho nos meus estabelecimentos. Se as empregadas, e também eu, damos o tratamento de doutoras a troche-moche, e raramente a dama cameliada avisa que não tem este canudo. Ou, em substituição, tratamos muitas parolas endinheiradas por madama, vou eu e penso que, sendo uma madrasta recente, posso entrar no seio destas pessoas. Se as coisas correrem bem será preciso aguardar algum tempo.

Portanto, Isabel, vamos ter calma e atribui o teu silêncio a uma pontada de ar que apanhaste na janela aberta quando te sentias afogueada.

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