sábado, 22 de agosto de 2020

MEDITAÇÕES DEPRESSIVAS

  O estigma de ser gracejador

Desde muito novo, mal entrei numa escolinha, sentí o impulso de encontrar, quase sempre e em qualquer situação, um pormenor que, para mim, tinha graça e não resistia ao impulso de caricaturar e assim fazer partícipes aos que me rodeavam. Digamos que ainda hoje, com 82 bem medidos, esta tendência para "afiar o lápis" mantem-se, para fastio dos que tem a infelicidade de estar por perto. Especialmente os familiares, que estão, e compreendo, hiper-fartos da minha mania de fazer comédia.

Tenho um filho médico, que, nesta fase de reclusão imposta, que de facto em pouco difere do ritmo de vida que o casal mantinha desde uns anos a esta parte, é o nosso apoio para o exterior, Sempre pendente de que lhe transmitemos eventualidades alarmantes.

Este descendente, um entre três, é o que carrega estoica e dedicadamente o maior peso do ter uns pais velhos (ou idosos como dizem com eufemismo quase que insultante, como são a maioria dos eufemismos) Ele é quem mais se revolta com a minha tendência a dizer piadas, em geral sem graça, por mais travões que eu tente meter no meu diálogo. A solução é falar pouco, ou nada, apesar de que, em pensamento, as graçolas continuam a fluir como uma nascente hídrica.

Os três filhos estão mais do que fartos, enjoados, da minha insistência em dar um toque de humor ao que acontece e se fala. Dois deles tiveram a sorte, (ou o azar, depende de como se olha a vida em momentos de introspecção), de estarem físicamente longe da vista, e -fazendo referência invertida a uma frase feita, dita e redita vezes sem conta- afastados do coração. 

Mas o trio é nítidamente unànime na rejeição ao meu instinto, innato, (como o leite gordo antes de lhe retirarem a nata) em reajir sumamente molestos com a minha mania. Aquele que é a vítima mais próxima diz-me ERROU NA PROFISSÃO  (como se eu não soubesse...) DEVIA SER PALHAÇO. (1)

E não me me sinto ofendido, pois estas pessoas que se dedicam a alegrar a desconhecidos, nem sempre remunerados, são, a meu ver, merecedores de tanta consideração social, ou até mais, do que muitos dos profissionais "sissudos" que andam por aí fazendo e dizendo pallassadas enganando os incautos que neles acreditam. 

(1) tenho uma vivência, curiosa e ao mesmo tempo que gerou um alarme generalizado, de um encontro com um palhaço profisisonal, de uma troupe circense, que me deu o prazer de poder conversar com ele, tendo eu uns sete anos. Um dia pode ser que conte com mais molho.

Sem comentários:

Enviar um comentário