sábado, 23 de junho de 2018

CRÓNICAS DO VALE - CAP 40




Bom dia Senhora Idalina, tem estado muito arreda desde que os patrões andam pelo mundo fora.

Nem tanto assim, dou todos os dias grandes passeios pelo jardim à volta da casa, arrancando ervas que o senhor Ernesto, ou algum dos seus amigos que aqui emprega, se decidam a limpar. Se pensa dar uma suadela antes que os patrões cheguem é bom que comece quanto antes.

Muito me conta. Deve saber mais do que nos, os da malta de sol e chuva.

Não tenha ciumeira. Pense que seja o patrão José ou a Patroa Isabel, apesar de estarem longe, querem ter um olho no garfo e outro no prato. Ou se preferir, não há dia em que , seja pelo telefone ou por carta, não perguntem pelo andar da carruagem ou nos enviem instruções acerca do que fazer e não descurar. Nem sei como conseguem desfrutar dos seus passeios por estes mundos por donde andam se, como nos dão a entender, tem as suas cabeças mais no Vale do que nas maravilhosas cidades que vistam.

E a Idalina tem ideia das terras e cidades, montes, vales e rios, por onde andam?

Pode ficar com inveja, mas a Dona Isabel tem mandado alguns postais muito bonitos, que noutra altura lhe poderei mostrar. E além disso, agora tenho tido mais vagar e vejo programas da televisão que mostram países e terras que nem fazíamos ideia que existiam. Agora estas imagens nos põem o mundo à frente do nariz. Seja como for, tenho indicações de o avisar de que não tardarão muitos dias em cá aparecer. Tenha tudo não só arranjado mas tampouco seria pior que pudesse mostrar alguma coisa de sua iniciativa.

Mas o quê? Eu sempre fui um bom cumpridor do que me mandam e pouco me atrevo para meter-me em trabalhos sem saber, de antemão, se seriam de gosto dos patrões.

O Ernesto às vezes parece um garoto. Não me diga que nunca pensou em preparar uns canteiros de horta, com pés arranjados nalgum amigo que tenha feito viveiro. Ou enxertar uns pés ou braças de videira ou árvores de fruto com variedades novas? Sei que os caseiros e aqueles que tratam de uma horta própria, tem sempre os olhos postos em conseguir melhorar os seus produtos e, se possível, tentar novas culturas. Será que puxa para ver se eu conto a missa ao vigário?

Já matutei por muitas vezes em fazer uma horta nas traseiras da mansão. No tempo em que morava aqui a Dona Constança, primeira esposa do patrão Luís, eu ainda era um rapaz novo, e o meu pai, que Deus o tenha ao seu lado, colocou-me como jardineiro às ordens da dita Dona Constança. Esta Senhora tinha mais queda para flores e arbustos do que para horta de produtos para a cozinha. Dizia ela que este era negócio para as pessoas que moravam no Vale e que até lhe agradeciam que lhes comprasse as alfaces, favas, ervilhas, abóboras, nabos e tudo o mais que fizesse falta na cozinha. Ela queria canteiros de flores, as plantas aromáticas, e os arbustos podados como nas mansões dos nobres de Coimbra. Um dia levaram-me a Coimbra, de propósito, para que eu visse como eram os jardins da gente fina. Tive que aprender desde principio.

Mas a ideia da Dona Idalina parece-me ser mesmo boa. Enquanto falávamos já ia vendo, na minha cabeça, os canteiros que posso preparar, adubados com o esterco dos animais e regados com a água do açude, que chega bem para o jardim e sobrará para a horta. Olhe Idalina, vou meter mãos à obra antes que o pensamento arrefeça. E já sei onde posso ir procurar pés para plantar.

Pois fico muito feliz por ver que o Ernesto não só entendeu o que lhe disse mas melhor, que tomou interesse em avançar. Sei, por o conhecer de anos, que será capaz de mostrar uma horta em início à Dona Isabel, e que esta não deixará cair esta iniciativa em saco roto. E agora vou para dentro, que tenho coisas a tratar com a ajuda da Amélia, que se fez uma excelente mulher, responsável e trabalhadeira.

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