Bom
dia Senhora Idalina, tem estado muito arreda desde que os patrões
andam pelo mundo fora.
Nem
tanto assim, dou todos os dias grandes passeios pelo jardim à volta
da casa, arrancando ervas que o senhor Ernesto, ou algum dos seus
amigos que aqui emprega, se decidam a limpar. Se pensa dar uma
suadela antes que os patrões cheguem é bom que comece quanto antes.
Muito
me conta. Deve saber mais do que nos, os da malta de sol e chuva.
Não
tenha ciumeira. Pense que seja o patrão José ou a Patroa Isabel,
apesar de estarem longe, querem ter um olho no garfo e outro no
prato. Ou se preferir, não há
dia em que , seja pelo telefone ou por carta, não perguntem pelo
andar da carruagem ou nos enviem instruções acerca do que fazer e
não descurar. Nem sei como conseguem desfrutar dos seus passeios por
estes mundos por donde andam se, como nos dão a entender, tem as
suas cabeças mais no Vale do que nas maravilhosas cidades que
vistam.
E
a Idalina tem ideia das terras e cidades, montes, vales e rios, por
onde andam?
Pode
ficar com inveja, mas a Dona Isabel tem mandado alguns postais muito
bonitos, que noutra altura lhe poderei mostrar. E além disso, agora
tenho tido mais vagar e vejo programas da televisão que mostram
países e terras que nem fazíamos ideia que existiam. Agora estas
imagens nos põem o mundo à frente do nariz. Seja como for, tenho
indicações de o avisar de que não tardarão muitos dias em cá
aparecer. Tenha tudo não só arranjado mas tampouco seria pior que
pudesse mostrar alguma coisa de sua iniciativa.
Mas
o quê? Eu sempre fui um bom cumpridor do que me mandam e pouco me
atrevo para meter-me em trabalhos sem saber, de antemão, se seriam
de gosto dos patrões.
O
Ernesto às vezes parece um garoto. Não me diga que nunca pensou em
preparar uns canteiros de horta, com pés arranjados nalgum amigo que
tenha feito viveiro. Ou enxertar uns pés ou braças de videira ou
árvores de fruto com variedades novas? Sei que os caseiros e aqueles
que tratam de uma horta própria, tem sempre os olhos postos em
conseguir melhorar os seus produtos e, se possível, tentar novas
culturas. Será que puxa para ver se eu conto a missa ao vigário?
Já
matutei por muitas vezes em fazer uma horta nas traseiras da mansão.
No tempo em que morava aqui a Dona Constança, primeira esposa do
patrão Luís, eu ainda era um rapaz novo, e o meu pai, que Deus o
tenha ao seu lado, colocou-me como jardineiro às ordens da dita Dona
Constança. Esta Senhora tinha mais queda para flores e arbustos do
que para horta de produtos para a cozinha. Dizia ela que este era
negócio para as pessoas que moravam no Vale e que até lhe
agradeciam que lhes comprasse as alfaces, favas, ervilhas, abóboras,
nabos e tudo o mais que fizesse falta na cozinha. Ela queria
canteiros de flores, as plantas aromáticas, e os arbustos podados
como nas mansões dos nobres de Coimbra. Um dia levaram-me a Coimbra,
de propósito, para que eu visse como eram os jardins da gente fina.
Tive que aprender desde principio.
Mas
a ideia da Dona Idalina parece-me ser mesmo boa. Enquanto falávamos
já ia vendo, na minha cabeça, os canteiros que posso preparar,
adubados com o esterco dos animais e regados com a água do açude,
que chega bem para o jardim e sobrará para a horta. Olhe Idalina,
vou meter mãos à obra antes que o pensamento arrefeça. E já sei
onde posso ir procurar pés para plantar.
Pois
fico muito feliz por ver que o Ernesto não só entendeu o que lhe
disse mas melhor, que tomou interesse em avançar. Sei, por o
conhecer de anos, que será capaz de mostrar uma horta em início à
Dona Isabel, e que esta não deixará cair esta iniciativa em saco
roto. E agora vou para dentro, que tenho coisas a tratar com a ajuda
da Amélia, que se fez uma excelente mulher, responsável e
trabalhadeira.
Sem comentários:
Enviar um comentário