Dias
atrás vi -possivelmente no facebook- um pequeno filme onde
se mostrava um orangotango, recluído numa prisão dum zoológico,
sentado em frente de uma montra que permitia que os “humanos” o
observassem a seu bel prazer. O nosso antecessor manteve-se quieto,
sentado mas com o tronco erguido, olhando para o vidro, até que,
inesperadamente, estendeu os braços com ar ameaçador e arreganhou
os dentes dando a sensação de querer agredir os tais humanos, que
recuaram espantados. De imediato ele retomou a sua posição inicial.
Ou
seja, ele, quis assustar os mirones e conseguiu o seu propósito. Daí
a pergunta: somos mais inteligentes do que aquele orangotango?
.
Estou escrevendo num portátil, que adquiri após tentar seleccionar,
entre as diferentes aparelhagens em exposição, aquele que, para o
meu bolso e “necessidades” previstas me deu a sensação de que
devia escolher. Onde foi fabricado? Tal como tudo o que estava
naquela grande loja, foi montado num país asiático, onde por pagar
menos aos seus operários nos possibilitaram preços mais
“simpáticos”.
Claro
está que ao longo do trajecto percorrido entre as fábricas e as
carteiras dos compradores, o preço foi aumentando numa proporção
que, humanamente, podemos qualificar de escandalosa.
.
Quando viajamos para outras zonas ou países “eróticos” -como
dizia uma moça com pouca ilustração, confundindo com exóticos-
ou quando entramos num recinto, seja livre ou a pagar, para imaginar
que veremos a sociedade que estava vigente uns séculos atrás, ou
simplesmente nos divertir, o que de facto nos incita -sem estar
conscientes disso- é ver como se comportam as pessoas que
constituem o pública, perante aquela teatralidade enganosa. Aquilo
que lhes é apresentado como sendo a vida de outra era não passa de
falsa etnografia; muito longe do que era a realidade.
.
Olhando por outro prisma da mesma situação. Aquele ísco de praias,
sol, águas transparentes, hotéis, monumentos e outros pontos
salientados nos folhetos de promoção, não tem o menor interesse.
Com mais ou menos molho encontramos equivalente noutro lugar. As
pessoas nativas é que é o elo com mais valor que podemos encontrar,
seja no Bali ou numa aldeia quase deserta das serras transmontanas. E
raros são os viajantes que tentam entender o como sobrevivem aquelas
pessoas; só olham para eles como para o orangotango, confiando na
existência de um vidro, imaginário mas funcional, que os protege de
um penoso contágio.
.
Pessoalmente há muitos anos, quase toda a vida adulta, que sinto um
forte desconforto quando sou defrontado com algum monumento
“espectacular”. Vejo com adversão aquilo que custou vidas para
ser erguido. Sinto a miséria extrema com que a maioria dos, quase
escravos, que lá trabalharam, que descansavam em indescritíveis -aos nossos olhos que se habituaram a conforto- casebres onde
viviam. Para que? Para enaltecer quem? Inclusive os monumentos de
índole religiosa, que são quase todos, não correspondem às
doutrinas iniciais, que, tal como se diz de Jesus, abominavam a
opulência e enaltecem os membros das camadas inferiores (1)
merecedores de atenção, cuidados e justiça.
Ainda
hoje muitos cidadãos ficam de boca aberta vendo novas construções,
com projectos brilhantes e custos que não cabem na mente da maioria
das pessoas. E esta contemporânea opulência justifica a miséria
institucionalizada que se esconde?
.
Estas referências, e outras mais possíveis, nos deveriam abrir os
olhos da mente para sentir que permanece a escravatura de uns
para benefício dos outros. Imaginamos que não trazem grilhetas e
correntes que os prendam, mas há denúncias, mesmo entre nós, de que
não lhes permitido deixar o seu lugar de trabalho nem para aliviar a bexiga.
Se
hoje temos à frente dos olhos e próximo do cartão de crédito,
muitos artefactos, com um curto tempo de serviço reduzido -a tal
obsolescência programada-
só é possível graças a existirem outros escravos. O mesmo
aconteceu anteriormente, e ainda hoje, com o açúcar, café, bananas
e outros produtos vindos do terceiro mundo, pois o seu baixo preço
só era e é compatível com a exploração do homem pelo homem.
PENSAR
DESTA FORMA NÃO DÁ SOSSEGO A NINGUÉM
(1) amavelmente esqueçamos a
propensão do bando dos 12, e seu mestre, para se infiltrar nas
festanças que lhes garantem bons e fartos petiscos. Pecadilhos.
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